Por BERNARD HORSTMANN*
A divisão do poder na sociedade israelense e a guerra de Al-Aqsa
Qual é a razão do “Dilúvio de Al-Aqsa”, como o Hamas batizou a sua operação terrorista contra os sionistas? Em 8 de outubro, Alastair Crooke, um dos mais experientes especialistas em Oriente Médio, escreveu no AlMahadeen: “Israel dividiu-se em duas facções de peso igual que defendem duas visões irreconciliáveis do futuro de Israel; duas leituras mutuamente opostas da história e do que significa ser judeu. A fissura não podia ser mais completa. Exceto que de fato é. Uma das facções, que detém a maioria no parlamento, é majoritariamente mizrahi – uma antiga subclasse da sociedade israelense – e a outra é majoritariamente ashkenazi, liberal e abastada.”
Os mizrahi são, na sua maioria, judeus autóctones do Médio Oriente e, frequentemente, da extrema direita religiosa, enquanto os ashkenazi são, na sua maioria, europeus liberais. O atual governo de Netanyahu é o primeiro que inclui ministros mizrahi de extrema direita.
A maioria dos mizrahi segue os ritos religiosos sefardita. Querem um Estado religioso baseado na lei judaica. São tão radicais quanto o ISIS.
O Supremo Tribunal de Israel tem 14 juízes ashkenazis e um juiz mizrahi. Esta é uma das razões pelas quais o governo de Netanyahu quer que o parlamento vote contra as sentenças do tribunal superior. Houve grandes protestos em Israel, patrocinados pelos EUA, contra essa mudança de regime. Os líderes dos serviços militares e de segurança, na sua maioria ashkenazi, também se opuseram à ação do governo contra o tribunal.
Portanto, acredito, que é bem provável que houvesse informações que apontassem para o ataque do Hamas, mas que foram ocultadas para que Benjamin Netanyahu caísse numa armadilha. No entanto, não temos provas de que tenham existido alertas razoavelmente precisos por parte dos serviços secretos, ou de que tenham sido retidos.
Já se exige a saída de Benjamin Netanyahu. Nem que seja pelo fato de ter patrocinado durante muito tempo o Hamas como contrapeso aos palestinos mais seculares da Fatah. Se Benjamin Netanyahu deixar de ser premiê, os tribunais irão julgá-lo pelos três casos de suborno que estão atualmente pendentes. Neste caso, o seu destino mais provável é a prisão.
Outra razão para o sucesso do Hamas foi o fato de três dos quatro batalhões de infantaria, com 800 soldados cada, que normalmente guardam a faixa de Gaza, terem sido deslocados para a Cisjordânia para proteger os colonos sionistas de direita durante um feriado religioso. Este dado permitiu que o Hamas conseguisse facilmente passar a barreira de isolamento.
Voltando a Alastair Crooke sobre o verdadeiro motivo da inundação de Al-Aqsa: “A direita no governo de Benjamin Netanyahu tem dois compromissos de longa data. Um é reconstruir o Templo (judaico) no ‘Monte do Templo’ (Haram al-Shariff). Para que fique claro, isso implicaria na demolição de Al-Aqsa. O segundo compromisso primordial é a fundação de Israel, na ‘Terra de Israel’.
E, mais uma vez, para que fique claro, isso (na opinião deles) implicaria na expulsão dos palestinos da Cisjordânia. De fato, os colonos têm expulsado os palestinos de vastas áreas da Cisjordânia ao longo do último ano (nomeadamente entre Ramallah e Jericó).
Na quinta-feira [5/10/23] de manhã (dois dias antes do Dilúvio de Al-Aqsa), mais de 800 colonos invadiram a mesquita, sob a proteção total das forças israelitas. O ritmo dessas provocações tem aumentado.
Não há nada de novo. A Primeira Intifada foi desencadeada pelo então primeiro-ministro Ariel Sharon, que fez uma visita provocativa à mesquita. Fiz parte do Comite Presidencial do Senador George Mitchell que investigou esse incidente. Já naquela altura, era evidente que Ariel Sharon pretendia que a visita alimentasse o fogo do nacionalismo religioso. Naquela altura, o Movimento do Monte do Templo era um pequeno grupo; hoje tem ministros no governo e em posições-chave de segurança – e prometeu aos seus seguidores construir o ‘Terceiro Templo’.
Portanto, a ameaça a Al-Aqsa tem crescido há duas décadas e hoje está atingindo o seu auge. E, no entanto, os serviços secretos norte-americanos e israelitas não previram a resistência, nem a violência dos colonos na Cisjordânia? O que aconteceu no sábado era amplamente esperado e foi claramente planejado de forma extensiva”.
Importante dizer, não há qualquer prova arqueológica, nenhuma, de que tenha existido um “Templo” judaico em Jerusalém. Se existiu, o mais provável é que não tenha sido na colina de Al-Aqsa, mas numa das outras seis.
Al-Aqsa é sagrada para todos os muçulmanos, xiitas e sunitas. A sua destruição conduziria inevitavelmente à guerra. O Ocidente está claramente a subestimar as forças que apelos como do tuite abaixo podem suscitar:
“Khalid Aljabri, MD د.خالد الجبري @JabriMD – 11:52 UTC – Oct 13, 2023
O sermão de sexta-feira da Grande Mesquita em Meca reza pela “libertação da Mesquita de Al-Aqsa” em Jerusalém.”
Isso é significativo por dois motivos: (i) audiência de dois bilhões de muçulmanos; (ii) Estes sermões têm sido significativamente censurados durante o regime de MBS [Mohammed bin Salman]. O sermão de hoje [13/10/23] foi provavelmente pré-aprovado. Vídeo
Israel utilizou fósforo branco na população de Gaza, outro crime de guerra. Israel deu a todos os habitantes do norte de Gaza, 1,1 milhões de seres humanos, 24 horas para se deslocarem para o sul de Gaza. Isso é impossível e não vai acontecer. Trata-se de uma tentativa de limpeza étnica.
“Caitlin Johnstone @caitoz – 10:52 UTC – Oct 13, 2023
Se houvesse dois milhões de judeus presos por cristãos em uma prisão gigante ao ar livre e colocados sob cerco total, sendo informados de que metade deles tinha 24 horas para se mudar para a outra metade ou ser morto, ninguém teria qualquer problema para entender o que estava testemunhando.”
Se Israel fizer, como anunciado, um ataque terrestre a Gaza, é provável que o Hezbollah do Líbano ataque Israel. Os EUA informaram a Síria (através da França) de que Damasco, e o presidente Hafez Assad pessoalmente, serão atacados se isso acontecer. Trata-se de um erro de cálculo. Está longe de ser certo que Hafez Assad, ou mesmo o Irã, tenha os meios para conter o Hezbollah.
Um ataque dos EUA ao governo da Síria traria a Rússia para a guerra. O Irã também responderia, o que é exatamente o que alguns dos neoconservadores desejam. A guerra poderia facilmente escalar ainda mais a partir daí.
*Bernhard Horstmann é editor da mídia independente norte-americana Moon of Alabama.
Tradução: Ricardo Kobayaski.
Publicado originalmente no blog do autor.
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