A ameaça mais sensível – a mudança climática

Imagem: Vlad Chețan
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

Ultrapassamos o ponto crítico. Já estamos dentro do aquecimento global. Produziu-se uma desregulação ecológica

Há várias ameaças que assolam a vida, especialmente, a humana, em nosso planeta: a ameaça nuclear, a do colapso mundial do sistema econômico-social, a da ultrapassagem da “Sobrecarga da Terra” (insuficiência dos bens e serviços naturais que sustentam a vida), a da escassez mundial de água doce, entre outras.

Talvez a mais sensível seja a mudança climática, pois está atingindo a pele de inteiras populações. Ligada a ela está a crise hídrica que já afeta boa parte das nações. Pessoalmente estou vivendo este drama hídrico. No limite de meu terreno, corria um riozinho com abundante água. Canalizava-se uma pequena porção dele para produzir uma cascata frequentada por muitos, durante todo o ano. Lentamente, entretanto, o rio foi diminuindo, a cascata sumindo até, numa longa extensão, o rio secar totalmente, aparecendo depois com visível diminuição de água. Ele nasce do meio de uma floresta vizinha totalmente preservada. Não haveria razão para que suas águas diminuíssem. Entretanto, sabemos, que o fator hídrico é sistêmico, está todo interligado. Mundialmente cresce a escassez de água potável.

O risco mais próximo e com consequências danosas é a mudança climática, de origem antropogênica, vale dizer, produzida pela forma com os seres humanos, especialmente, os donos das grandes complexos industriais e financeirostêm tratado a natureza nos últimos três séculos. O projeto que animava e ainda anima esse o modo de viver na terra é o crescimento ilimitado de bens e serviços no pressuposto de que a Terra possuiria também esses bens de forma ilimitada.

Entretanto, depois que se publicou o Relatório Os limites do crescimento em 1972 pelo Clube de Roma ficou claro que a Terra é um planeta pequeno com bens e serviços limitados. Ela não suporta um crescimento ilimitado. Hoje para atender a demanda dos consumistas precisamos de mais de uma Terra e meia, o que estressa totalmente o planeta. Ele reage, pois é um super Ente que se rege sistemicamente como ser vivo, aquecendo-se, produzindo eventos extremos e enviando mais e mais vírus perigosos, até letais, como temos visto com o coronavírus.

Conclusão: ultrapassamos o ponto crítico. Já estamos dentro do aquecimento global. Produziu-se uma desregulação ecológica. Aumentaram exponencialmente os gases de efeito estufa, produtores de aquecimento. Vejamos alguns dados. Em 1950 emitiam-se anualmente 6 bilhões de toneladas de CO2.Em 2000, 25 bilhões de toneladas. Em 2015 já eram 35,6 bilhões de toneladas. Em 2022/23, atingiu-se 37,5 bilhões de toneladas anuais. Ao todo circulam na atmosfera cerca 2,6 trilhões de toneladas de CO2, que permanecem nela por cerca de 100 anos.

Acresce o fato de que os analistas não estarem incluindo ainda no agravamento do aquecimento global, a interação sinergética entre a comunidade de plantas, massas de terra, oceanos e gelo, o que torna dramática a situação climática. Nós encostamos nos limites intransponíveis da Terra. A prosseguir o nosso modo de atuar e consumir, a vida está ameaçada ou a Terra não nos quererá mais sobre sua superfície.

O acordo de Paris firmado em 2015 de todos os países se empenharem na redução de gases de efeito estufa para evitarmos ultrapassar 1,5oC ou até 2oC em relação à era industrial, se frustrou. Os países não fizeram sua lição de casa. Era necessária a redução imediata de 60-80% das emissões de CO2. Caso contrário, haveria o risco real de mudanças irreversíveis, o que deixaria vastas regiões da Terra inabitáveis. A última COP28 mostrou que tem aumentado o uso de energia fóssil, petróleo, gás e minérios.

Bem disse o presidente Lula na COP28: “O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos. Precisamos de atitudes concretas. Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?”

O que predomina é o negacionismo. Diz-se que o aquecimento é efeito do El Niño. O El Niño entra na equação, mas ele não explica, apenas agrava o processo em curso já iniciado e sem retorno. Os próprios cientistas da área confessam: a ciência e a técnica chegaram atrasadas, Elas não têm condições de reverter essa mudança, apenas advertir a sua chegada e minorar os efeitos danosos.

Mesmo assim são propostas duas maneiras para enfrentar o atual aquecimento: o primeiro, usando organismos fotossintéticos, para absorver o CO2 através da fotossíntese das plantas e transformá-lo em biomassa. É o caminho correto, mas insuficiente. O segundo, seria lançar partículas de ferro nos oceanos aumentando sua capacidade de fotossíntese. Mas este método não é cientificamente aconselhado por danos previsíveis à vida nos oceanos.

Na verdade não temos soluções viáveis. O certo é que temos que nos adaptar à mudança climática e organizar nossa vida, as cidades oceânicas, os processos produtivos para minorar os danos inevitáveis. No fundo, temos que volver ao mito do cuidado sobre nós e sobre todas as coisas como venho insistindo há anos, já que o cuidado pertence à essência do humano e de todos os viventes.

Imaginemos se um dia, a humanidade tomar consciência de que a vida poderá desaparecer e fizer com que toda a população mundial, num fim de semana, se pusesse a plantar árvores e assim sequestrar o carbono e criar condições para o sistema-vida e a humanidade sobreviverem? Seria uma tentativa que podemos implemantar e quiçá nos salvar.O imponderável sempre pode acontecer como a história tem mostrado.

Vale a advertência de um eminente filósofo alemão Rudolf-Otto Apel: “Pela primeira vez na historia do gênero humano,os seres humanos foram postos, na pratica, diante da tarefa de assumir a responsabilidade solidária pelos efeitos de suas ações em um parâmetro que envolve todo o planeta” (O a priori da Comunidade de Comunicação, Editora Loyola, p. 410). Ou nos responsabilizamos, sem exceção de ninguém, pelo nosso futuro comum ou poderá acontecer que não contaremos mais entre os viventes do planeta Terra.

*Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Habitar a Terra: qual o caminho para a fraternidade universal (Vozes). [https://amzn.to/3RNzNpQ]


Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
João Paulo Ayub Fonseca Priscila Figueiredo André Márcio Neves Soares Remy José Fontana Kátia Gerab Baggio Manuel Domingos Neto Anderson Alves Esteves Annateresa Fabris Atilio A. Boron Chico Whitaker Eugênio Bucci Sandra Bitencourt Plínio de Arruda Sampaio Jr. Everaldo de Oliveira Andrade Thomas Piketty Bruno Machado Jean Marc Von Der Weid Ricardo Fabbrini Chico Alencar Igor Felippe Santos Gilberto Lopes Berenice Bento Eleonora Albano Flávio R. Kothe Eugênio Trivinho Marcelo Módolo Eduardo Borges Dennis Oliveira Luiz Bernardo Pericás Claudio Katz Paulo Fernandes Silveira Juarez Guimarães Heraldo Campos Francisco de Oliveira Barros Júnior Antonio Martins Celso Frederico Maria Rita Kehl Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Celso Favaretto Boaventura de Sousa Santos Julian Rodrigues Benicio Viero Schmidt Andrés del Río Yuri Martins-Fontes Michael Löwy Matheus Silveira de Souza Francisco Fernandes Ladeira Lincoln Secco Leonardo Sacramento João Adolfo Hansen Otaviano Helene Antonino Infranca Ronald León Núñez Henry Burnett João Feres Júnior Elias Jabbour José Dirceu Armando Boito Ricardo Antunes Jean Pierre Chauvin Luiz Marques João Carlos Loebens Ronald Rocha Marcos Aurélio da Silva Osvaldo Coggiola José Raimundo Trindade Alexandre Aragão de Albuquerque Marcelo Guimarães Lima Bernardo Ricupero Tales Ab'Sáber Antônio Sales Rios Neto Fernando Nogueira da Costa Bento Prado Jr. Vladimir Safatle Leonardo Avritzer André Singer Paulo Sérgio Pinheiro Liszt Vieira Salem Nasser Valerio Arcary Luis Felipe Miguel Francisco Pereira de Farias Denilson Cordeiro José Luís Fiori Ricardo Abramovay Anselm Jappe Tarso Genro Luiz Werneck Vianna Gilberto Maringoni Bruno Fabricio Alcebino da Silva Dênis de Moraes Daniel Afonso da Silva Afrânio Catani José Micaelson Lacerda Morais Vinício Carrilho Martinez José Costa Júnior Alexandre de Lima Castro Tranjan Daniel Costa Marcus Ianoni Michel Goulart da Silva Lorenzo Vitral Ladislau Dowbor João Carlos Salles Eleutério F. S. Prado Walnice Nogueira Galvão Sergio Amadeu da Silveira João Lanari Bo Daniel Brazil Ricardo Musse Slavoj Žižek Carlos Tautz Paulo Capel Narvai Caio Bugiato Alysson Leandro Mascaro Paulo Nogueira Batista Jr Renato Dagnino Paulo Martins Leonardo Boff Michael Roberts Rafael R. Ioris Jorge Luiz Souto Maior Fernão Pessoa Ramos Rodrigo de Faria Manchetômetro Flávio Aguiar Érico Andrade Marilia Pacheco Fiorillo Marcos Silva Tadeu Valadares Rubens Pinto Lyra Milton Pinheiro Vanderlei Tenório Mário Maestri Ronaldo Tadeu de Souza Henri Acselrad Fábio Konder Comparato Luiz Eduardo Soares Leda Maria Paulani Ari Marcelo Solon Jorge Branco José Machado Moita Neto Mariarosaria Fabris Carla Teixeira João Sette Whitaker Ferreira Alexandre de Freitas Barbosa Marilena Chauí Marjorie C. Marona Luiz Carlos Bresser-Pereira Gabriel Cohn Luís Fernando Vitagliano Lucas Fiaschetti Estevez José Geraldo Couto Andrew Korybko Luciano Nascimento Samuel Kilsztajn Eliziário Andrade Luiz Roberto Alves Airton Paschoa Luiz Renato Martins Gerson Almeida

NOVAS PUBLICAÇÕES