A agonia da Europa

Imagem: Antonio Filigno
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por SAMUEL KILSZTAJN*

Os europeus, quando desembarcaram nas Américas, África, Ásia e Oceania não portavam vistos de entrada

A verdade do europeu branco cristão sempre foi o seu dom de iludir, dominar militarmente o mundo enquanto catequizava os nativos de forma hipócrita e cínica. Europeu naturalmente inclui aquele que cruzou o Atlântico, principalmente em direção aos Estados Unidos, Argentina e Brasil. Com a Revolução industrial, os europeus, que já haviam “descoberto” as Américas e promovido a imigração compulsória de africanos, tornaram-se os donos do mundo.

Além de submeterem a Índia à Companhia Britânica, a China a partir das guerras do ópio e o Japão por iniciativa norte-americana, os europeus colonizaram o sudeste asiático e a Oceania e dividiram arbitrariamente a África e o Oriente Médio em países com o auxílio de réguas e esquadros. Esses 300 anos de hegemonia e o atual declínio crônico da Europa foram matéria do artigo de José Luís Fiori, publicado no site A Terra é Redonda.

Apenas o Império Russo, que se estendia até os confins da Ásia, por ter derrotado Napoleão, conseguiu manter-se intacto, sendo posteriormente substituído pela União Soviética – URSS. Com a iminência da dissolução do Pacto de Varsóvia, a OTAN e a URSS acordaram em manter neutros os membros do Pacto de Varsóvia. Entretanto, todos os antigos membros do Pacto de Varsóvia foram incorporados à OTAN porque, segundo a mesma, o acordo fora firmado com a URSS, dissolvida em 1991. Foi então acordado entre a OTAN e a Rússia que a Bielorrússia e a Ucrânia constituiriam a nova região neutra… e o embate segue na guerra da Ucrânia em curso.

Os europeus, quando desembarcaram nas Américas, África, Ásia e Oceania não portavam vistos de entrada. Muito pior do que isso, chegaram feito uns selvagens, sem respeitar as regras e a cultura local, para civilizar os nativos. Em nome de Deus, exterminaram e submeteram esses povos, catequizando-os para salvar a sua alma. Para entrarem nos países coloniais, contudo, estes nativos devem portar vistos de entrada, entram ilegalmente e se submetem à cultura europeia. E, diferentemente da legislação vigente nos países das Américas, nenhum país europeu confere cidadania automática a filhos de imigrantes nascidos em seu solo.

A Inglaterra deixou a União Europeia, mas continua membro da OTAN, ao lado dos Estados Unidos. A Alemanha pode governar o hemisfério esquerdo do cérebro da Europa Continental, mas a França certamente governa o hemisfério direito, a França é o coração da Europa. E a França ainda tem domínios em regiões tão longínquas como a Nova Caledônia.

Mas o coração latino dos franceses anda partido, com uma profusão de grupos de esquerda manifestando-se a favor dos imigrantes, como o Solidariedade Europa Sem Fronteiras e organizações de voluntários que metem as mãos na massa, como a Utopia 56, que enfrenta as autoridades e oferece apoio moral, legal e material aos imigrantes ilegais, inclusive barracas para o seu alojamento. Verdadeiras vilas de barracas margeiam o Sena na região central de Paris, reservada às camadas privilegiadas da população.

Em meio ao impasse sobre os rumos em direção a uma nova ordem mundial, os participantes deste jogo de interesses estão todos apreensivos com a aventura empreendida pelo estado de Israel na Palestina e seus possíveis e imprevisíveis desdobramentos.

Para a Europa branca cristã que efetivamente dominava o mundo, o judeu sempre foi o outro, essa meia-dúzia de Spinoza, Marx, Freud, Einstein e Rothschild que, na forma de projeção, a Europa queria acreditar ter um projeto para dominar o mundo. Agora, na Palestina, o judeu é o europeu em guerra contra o oriente, uma guerra que carece de estratégia, carece de tática, ou seja, uma aventura que unificou os israelenses e poupou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, mas que ninguém sabe como vai terminar. Haverá limites para a hipocrisia e o cinismo europeu frente ao massacre em curso do povo palestino?

*Samuel Kilsztajn é professor titular em economia política da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de Returnees [https://amzn.to/44SsSjE].


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Como os soviéticos venceram a desertificaçãocccp 22/09/2024 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: O Grande Plano da URSS para a Transformação da Natureza nos conta que a magnitude do seu impacto só foi possível porque aliou conhecimento, planejamento sistêmico e vontade soberana da nação
  • Marx e a financeirização – o exuberante capital fictíciodolar olho 48 18/09/2024 Por RENILDO SOUZA: O papel crucial da ciência e da tecnologia na economia capitalista do século XXI favorece a valorização das mercadorias-conhecimento gerando as chamadas renda-conhecimento
  • América do Sul — uma estrela cadenteJosé Luís Fiori 23/09/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A América do Sul se apresenta hoje sem unidade e sem qualquer tipo de objetivo estratégico comum capaz de fortalecer seus pequenos países e orientar a inserção coletiva dentro da nova ordem mundial
  • O avesso de Marxcultura los soles 14/09/2024 Por TIAGO MEDEIROS ARAÚJO: Comentário sobre o livro recém-lançado de José Crisóstomo de Souza
  • O caminho do meioamazon 22/09/2024 Por JOSÉ DIRCEU: A Amazon é a nova aposta dos EUA pelo controle dos ativos digitais brasileiros
  • Franz Kafka e seu bestiário em trânsitopexels-moldyfox-3924726 20/09/2024 Por RICARDO IANNACE: Comentários sobre o bestiário em Kafka
  • O livro de CatuloPaulo Martins – Foto_edited 03/09/2024 Por PAULO MARTINS: O que nos resta de Catulo é suficiente para dizer que seu ecletismo genérico (dos gêneros poéticos) é impressionante
  • A base estrutural das novas direitasELEUTERIO2 25/09/2024 Por ELEUTÉRIO F. S. PRADO: A civilização aparece finalmente como barbárie e a humanidade parece caminhar para a extinção
  • Fredric Jameson (1934-2024)Frederic Jameson 24/09/2024 Por THOMAS AMORIM: Como Walter Benjamin percebeu, os mortos seguem interessados na construção de um futuro melhor e também Fredric Jameson continua e continuará conosco
  • O último pub — The old oakcultura telefone 22/09/2024 Por WELLINGTON MEDEIROS DE ARAÚJO: Comentário sobre o filme de Ken Loach

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES