Giro de arrumação

Imagem_ColeraAlegria
image_pdf

Por MANUEL DOMINGOS NETO*

O futuro imediato do país passa pelo togado e pelo fardado

Leio no jornal Folha de S. Paulo, na edição do dia 19 de junho, o bem informado repórter Igor Gielow anunciando que uma pretensa “ala militar” estaria cogitando acerca da formação de um “ministério de notáveis” visando salvar o governo Bolsonaro duramente ameaçado pela prisão de Fabrício Queiroz.

Ao que me consta, conversas neste sentido se desenvolvem desde a semana passada, quando ficou clara a situação insustentável do Ministro da Educação.

A nomeação de “notáveis” para a equipe governamental seria uma “invertida de arrumação” diante da impopularidade do Presidente, dos impactos da pandemia, da degringolada economia e da constatada perda de prestígio das Forças Armadas.

Assim, seriam substituídos, além do Chanceler, os ministros da Educação e da Saúde.

Este esforço desesperado para salvar o governo tinha tudo para não dar certo. A queda de Weintraub, além de não ser suficiente “pacificar” os ministros do Supremo, não suspenderia necessariamente a criminosa destruição do sistema brasileiro de ensino e de pesquisa. A de Pazuello, um general da ativa, até poderia sinalizar o descolamento da farda em relação ao governo, mas não bastaria para definir uma postura minimamente responsável diante da pandemia. A de Ernesto Araújo não implicaria forçosamente em atitude responsável nas relações internacionais.

“Invertida de arrumação” é algo que não combina com Bolsonaro, portador da vontade de desarrumar, destruir e promover o caos. A índole do Presidente não combina estabilidade.

A prisão de Queiroz apenas revigora a crescente convicção da necessidade de remover Bolsonaro. Afastá-lo através de impeachment, porém, seria duvidoso. Tal expediente dependeria de votos do centrão, que costuma largar o osso quando não vê possibilidades para o dia seguinte.

O futuro imediato do país passa pelo togado e pelo fardado. Ambos são sensíveis aos clamores populares que podem rapidamente se tornar ensurdecedores.

Juízes e generais estão conversando. Não existe a possibilidade de os primeiros deliberarem sem garantia de que o instrumento de força acate suas deliberações. Assim, em últimos termos, a decisão maior está nas mãos do Alto Comando do Exército.

Multiplicam-se as declamações de que o militar deve ficar fora da política. Ora, o militar está mergulhado na política até os cabelos. Hoje, qualquer manifestação de um oficial de pijama é seguida com apreensão angustiada. O retorno efetivo ao quartel só pode ocorrer com os comandantes sinalizando de forma clara que deixarão os juízes deliberar e os políticos jogar o papel que lhes cabe.

A verdadeira “invertida de arrumação” passa forçosamente pela cassação da chapa Bolsonaro-Mourão e pela convocação de novas eleições.

A soberania popular foi aviltada por mentiras disseminadas pela internet, por intromissão militar no processo eleitoral, por coalizão da grande mídia contra a esquerda e por omissão ostensiva do Judiciário.

O resultado não deu certo. Não poderia dar certo. Bolsonaro não foi feito para resolver problemas, sua especialidade é a fanfarronice destrutiva.

Aos que acham insensato o país viver uma disputa eleitoral em plena pandemia, caberia lembrar: a permanência deste governo apenas agrava este e outros problemas.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC. Foi presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e vice-presidente do CNPq.

 

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
3
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
4
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
5
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
6
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
7
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
8
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
9
Considerações sobre o marxismo ocidental
07 Dec 2025 Por RICARDO MUSSE: Breves considerações sobre o livro de Perry Anderson
10
O agente secreto
07 Dec 2025 Por LINDBERG CAMPOS: Considerações sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
11
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
12
Insurreições negras no Brasil
08 Dec 2025 Por MÁRIO MAESTRI: Um pequeno clássico esquecido da historiografia marxista brasileira
13
As lágrimas amargas de Michelle Bolsonaro
07 Dec 2025 Por CAIO VASCONCELLOS: Estetização da política e melodrama: A performance política de Michelle como contraponto emocional e religioso ao estilo agressivo de Jair Bolsonaro
14
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
15
O empreendedorismo e a economia solidária – parte 2
08 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Quando a lógica do empreendedorismo contamina a Economia Solidária, o projeto que prometia um futuro pós-capitalista pode estar reproduzindo os mesmos circuitos que deseja superar
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES