As ideias de Joe Biden

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Por SIMON TISDALL*

Para muitos à esquerda, a perspectiva global de Biden não representa tanto um novo amanhecer quanto um retorno às políticas lideradas pelo establishment de Washington

De todo modo, Joe Biden já é velho nos caminhos do mundo. Como vice-presidente de Barack Obama, ele conheceu todos os grandes atores internacionais. Como presidente do comitê de relações exteriores do Senado, ele ajudou a dirigir a política externa dos Estados Unidos.

Depois de quatro anos de liderança maníaca de Donald Trump, os Democratas oferecem uma mão estável e confiável ao leme. O grande objetivo de Biden: uma gloriosa restauração americana, em casa e no exterior.

Mas sua longa experiência é uma faca de dois gumes. Para muitos à esquerda, a perspectiva global de Biden não representa tanto um novo amanhecer quanto um retorno às políticas lideradas pelo establishment de Washington da era pré-Trump.

Aqueles esperando por uma ação radical em assuntos urgentes, como a crise climática e a desigualdade global, ou no confrontamento de líderes autoritários ‘fortões’, podem acabar desapontados.

Caso ele vença, dizem os apoiadores de Biden, a América estará de volta no controle da direção do mundo. O funcionamento normal voltará. Os críticos de Biden dizem que ele não é mais do que a mera sombra de seu antigo chefe – um político cuidadoso e centrista como Obama, mas sem a sua visão.

De todo modo, quem Biden escolher para ocupar os cargos de secretário do estado, conselheiro de segurança nacional e secretário de defesa poderá ser crucial.

A pressão dos progressistas do partido Democrata, como Bernie Sanders e Elizabeth Warren, empurrou Biden para a esquerda durante a campanha.

As crises gêmeas, sanitária e econômica, causadas pela pandemia do coronavírus também deslocou suas ideias. Ele agora fala em ‘reimaginar’ as relações da América com o resto do mundo.

Se suas perspectivas realmente mudaram, o tempo dirá. E quanto a toda sua experiência em política externa, é claro que o foco primário de Biden, se eleito, será doméstico.

Escrevendo à revista Foreign Affairs no começo deste ano, ele dispôs uma “política externa para a classe média” cuja prioridade principal era “permitir que os Americanos sejam bem-sucedidos na economia global”.

Fortalecendo os Estados Unidos internamente era um pré-requisito para a restauração da liderança global, ele disse. Suas prioridades eram claras.

A ideia de que a América pode e deve liderar internacionalmente, e que Trump se ‘abdicou’ dessa tarefa está, sobretudo, marcada a ferro em Biden, uma cria da guerra fria.

Essa assunção de soberania é hoje desafiada por aqueles que acreditam que a liderança Americana pós 1989 e pós 11 de setembro – e particularmente suas intervenções armadas em outros países –, não serviram nem aos Estados Unidos nem ao mundo. Eles apontam para o Iraque – uma guerra que Biden defendeu.

“Se você gostava da política norteamericana de segurança nacional antes de Trump estragar tudo, então Biden provavelmente é seu cara” escreveu o historiador Andrew Bacevich, ex-coronel do exército. “Instale-o no salão Oval e a cega perseguição da ‘dominância em nome do internacionalismo’ será retomada”.

Bacevich argumenta que o estabelecimento de políticas externas – decisões sobre sancionar Cuba ou o Irã, por exemplo – devem ser retiradas das mãos da elite política, e devem ser publicamente debatidas e democratizadas.

O approach de Biden é mais tido ao tipo ‘de cima para baixo’. Para ser justo, ele diz que reconstruirá alianças, cultivará o multilateralismo e sempre tentará a diplomacia em primeiro lugar.

Mas a preocupação de que seu grande projeto poderá vir a ser uma tragédia, anunciando um retorno ao arcaico e arbitrário excepcionalismo norte-americano, persiste.

Clima e Saúde

Trump abandonou o Acordo de Paris no ano passado; Biden prometeu retornar imediatamente, comprometendo os EUA com o atendimento das metas para o aquecimento global através do corte nas emissões de gás de efeito estufa. Em Julho, ele anunciou um plano de quatro anos e 2 trilhões de dólares para investir em uma vasta gama de soluções climáticas e em um esquema separado para descarbonizar o setor elétrico até 2035. Sobre a pandemia, Biden disse que os EUA novamente se juntarão à Organização Mundial da Saúde e retomarão seu financiamento. Ele propôs uma coalizão liderada pelos EUA para coordenar a procura por uma vacina e novos tratamentos para a Covid-19.

Democracia e Valores

Biden diz que o mundo está preso em uma batalha entre democracia e autoritarismo – e que os Estados Unidos devem estar na vanguarda. “Como uma nação, temos que provar ao mundo que os EUA estão prontos para liderar outra vez –  não apenas com o exemplo de nosso poder, mas também com o poder de nosso exemplo”, ele escreveu à Foreign Affairs. Ele diz que convocará uma “cúpula global da democracia”, no seu primeiro ano de mandato, “para renovar o espírito e o propósito partilhado pelas nações do mundo livre”. Ele jurou garantir que a presidência dos EUA será, outra vez, vista como uma defensora de eleições livres e abertas, da independência judiciária, dos direitos humanos e da liberdade de expressão.

Reino Unido e Europa

Homem orgulhoso de suas raízes irlandesas, Biden se opõe a qualquer desfecho para o Brexit que comprometa o acordo Good Friday ou ameace a paz na Irlanda. Mesmo que tais preocupações sejam dissipadas, um rápido acordo de livre troca entre os EUA e o Reino Unido, como prometido por Trump, provavelmente se mostrará difícil de realizar. Dado o claro estilo ‘trumpiano’ de Boris Johnson em sua política populista de direita, espera-se que Biden apele a Berlin e a Paris, em vez de Londres, como parceiros principais nas questões europeias. Como Obama, ele é a favor de uma União Europeia forte e unida que faça causa comum com os EUA. Biden pode ser o coveiro que finalmente enterrará a ‘relação especial’.

China

Apesar de que Trump o acuse do contrário, Biden diz que será duro com a China, citando suas ameaças a Taiwan, suas práticas mercantis ‘injustas’, seu hábito de ‘roubar’ a tecnologia e a propriedade intelectual das empresas americanas. Para fazê-lo, ele propõe “construir uma frente unida de aliados dos EUA e parceiros para confrontar os comportamentos abusivos e as violações de direitos humanos da China – ainda que procuremos cooperar em questões nas quais nossos interesses convergem, tais como a mudança climática, não-proliferação e segurança sanitária global”. Ele tem sido notavelmente crítico ao tratamento de Beijing dos muçulmanos uigures.

Proliferação nuclear

Os planos de Biden de reviver o sistema de tratados de armas nucleares com a Rússia degradou-se durante os anos Trump, começando com uma extensão do tratado New Start de 2010 negociado por Obama. Ele também diz que irá reabilitar o acordo nuclear com o Irã, de 2015, que Trump abandonou, se Teerã cometer-se outra vez à observação de seus termos. Sobre as armas nucleares da Coréia do Norte, ele tem pouco de novo a dizer. No entanto, a modernização do arsenal nuclear norteamericano, iniciada por Obama, parece estar prestes a continuar.

Conflitos

Biden diz que quer revigorar a OTAN e fortalecer as alianças na Ásia; que adotará uma dissuasiva posição face as manobras anti-ocidentais da Rússia; que tentará reviver o processo de paz entre Israel e Palestina, curto-circuitado por Trump; que acabará com o apoio norteamericano à guerra saudita no Iêmen; que acabará com a separação de famílias na fronteira com o México e reformará a imigração; e que suportará a ONU e o direito internacional. Assim como Trump, ele também promete acabar com o que chama de “guerras infinitas”. “Devemos trazer de volta a vasta maioria de nossas tropas das guerras no Afeganistão e no Oriente Médio e definir estritamente nossas missões para derrotar a al-Qaeda e a ISIS”, afirma ele. Outra guerra no Oriente Médio, na Síria, é raramente mencionada.

Diplomacia em primeiro lugar

“Diplomacia requer credibilidade e Trump arruinou a nossa”, diz Biden. “Na condução da política externa, a palavra de uma nação é seu bem mais valioso. Como presidente, eu elevarei a diplomacia ao papel de ferramenta principal da política externa dos Estados Unidos”.

*Simon Tisdall é colunista e editor assistente do jornal The Guardian.

Publicado originalmente no jornal The Guardian.

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