Por BENICIO VIERO SCHMIDT*
Comentários sobre acontecimentos recentes
1. Iniciou-se uma discussão acerca das possibilidades de implantação efetiva da lei do Marco Legal de Saneamento. Ela foi aprovada com estardalhaço no Senado Federal com mais de sessenta votos na semana passada e enviada à sanção do Presidente da República. Certamente será sancionada, mas os problemas que advêm da interpretação desse marco são imensos. A nova lei, por exemplo, erige como instituição reguladora a Agência Nacional de Águas, cuja presidente-diretora alega que não tem quadro sequer para dar conta dos problemas atuais.
Imagine o Brasil inteiro sendo regulado por ditos e editos da Agência Nacional de Águas, sendo que a própria presidente alega que não há condições de fazer isso. Quando se lê com atenção as condições de suspensão das licitações já ocorridas e que vigoram por trinta anos complica-se mais ainda o papel da Agência Nacional de Águas. Em suma, a lei é muito boa, mas sua implantação será muito difícil no curto e no médio prazo.
2. Dados recentes confirmam que em São Paulo especificamente aumentou a violência da Polícia Militar. Trata-se de uma situação semelhante aos Estados Unidos onde se presenciou recentemente práticas de violência aberta da polícia contra a população. Destaco aí dois pontos. Primeiro um problema óbvio de desobediência, que se deve quem sabe à falta de hierarquia, de controle interno da PM, de insubordinação de fato. Suspeita-se que as polícias militares, especialmente a de São Paulo, estejam totalmente alinhadas a situações subterrâneas que sustentam o governo Bolsonaro nessa área. É necessário acompanhar com atenção essa situação, porque insubordinação e desobediência da Polícia Militar ao seu governador significam que alguém outro é o superior ou o inspirador.
3. No que tange à Presidência da República, convém observar que flancos jurídicos foram abertos e dificilmente serão fechados sem muita dor, sem muito pânico. Tanto no TSE (a questão das fake news, cuja regulamentação está sendo votada no Congresso Nacional), como no STF (aquilo que diz respeito aos comportamentos nada democráticos das forças que apoiam o governo). Os flancos são abertos e são reforçados pela presença eventual de Queiroz na prisão e pela busca policial pelo paradeiro da sua esposa, Márcia, por todo o território nacional.
O que virá daí, não se sabe. De qualquer forma, parece evidente que apesar do governo ter bloqueado parcialmente a possibilidade de impeachment no Congresso (pois conta agora com os 206 votos dos alinhados com o apoio do Centrão), é visível que alguns ônus serão inevitáveis e daí pode se esperar muita coisa. O impeachment via Congresso Nacional torna-se difícil, mas situações a serem causadas pelo comportamento do STF especialmente são desconhecidas.
4. Ressalte-se, por fim, que a pressão internacional contra o Brasil por parte de consumidores e importadores internacionais de commodities agrícolas se fez sentir novamente. Alguns dentre os principais grupos de importadores fizeram um pronunciamento bastante virulento.
*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).