Por JOSÉ MACHADO MOITA NETO*
O discurso ambiental circulante no Brasil é dominado pelos interesses geopolíticos internacionais
Entre as áreas de atuação do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil (https://www.gov.br/mre/pt-br) existe uma descrita como Desenvolvimento sustentável e meio ambiente que remete para atuação em três frentes: (i) Desenvolvimento sustentável; (ii) Meio ambiente e mudança do clima; e (iii) Mar, Antártica e Espaço. Portanto, nesse primeiro olhar, o Brasil tem uma geopolítica ambiental.
No site do Ministério das Relações Exteriores, ao fazer uma busca utilizando a palavra geopolítica, encontrei uma entrevista como o ex-ministro Ernesto Araújo.[i] que, para os meus propósitos, só é aproveitável o início de uma frase: “Quem controla o discurso hoje, o discurso público, tem um poder tremendo (…)”. É um simplismo que gostaria de inverter para melhor expressar a geopolítica: quem tem um poder tremendo, controla o discurso público. Esse poder se expressa, minimamente, como a conjunção de poder militar, político e econômico. Há inúmeras situações em que as questões geopolíticas de ação ou reação do governo brasileiro se misturam com a nossa política interna.
Essa expressão recente (geopolítica), que nasce da projeção do poder de um Estado sobre o espaço de outros Estados, pode até ser lida ingenuamente com a junção de duas disciplinas, geografia e política. Contudo, há uma multiplicidade de formas de projeção do poder (militar, econômico, tecnológico, por exemplo) e uma multiplicidade de espaços de ocupação (território, ciberespaço, cultura, por exemplo) que afetam todas as relações entre as nações. Nenhum Estado é imune a essa projeção de poder em seu espaço e nem deixa de fazer o mesmo no espaço de outros Estados. O que muda basicamente entre Estados é a intensidade de sua ação na projeção desse poder e o grau de reação a penetração de seu espaço por outros Estados. Nesse sentido geopolítico, nos acostumamos com o status de nação ocupada por diversas potências, principalmente, EUA, China e Alemanha. Esses estados projetam sobre o espaço brasileiro sua influência militar, econômica e tecnológica.
Há diversos indícios dessa ocupação no discurso público que circula no Brasil, cuja origem direta ou indireta está nesses países com interesses geopolíticos no Brasil. Dentro de uma visão de soberania interpenetrante, cujas fronteiras de um Estado não são apenas as fronteiras territoriais, mas todo espaço efetivo por ele ocupado, não haveria problema se o Brasil também projetasse o seu poder (ação) ou contivesse o poder dos outros estados (reação). De fato, em nenhum país do G7 ou do BRICS é sentido qualquer discurso que promova os interesses geopolíticos brasileiros. A ilusão de uma política externa de conciliação ou neutralidade apenas esconde a inércia em nossa ação geopolítica ou a capitulação na reação aos interesses geopolíticos de outras nações. A denúncia do WikiLeaks de que os EUA grampearam o telefone da ex-presidente Dilma Rousseff, na época do governo de Barack Obama, é apenas uma pequena amostra da interferência no Brasil por outras nações. Os grandes players da geopolítica batem e apanham nessa busca por hegemonia. Já o Brasil, só apanha ou se automutila.
O discurso ambiental circulante no Brasil é dominado pelos interesses geopolíticos internacionais. As questões ambientais globais são promovidas em detrimento das questões ambientais locais ou regionais. O aquecimento global e a sua consequência para as mudanças climáticas é mais discutido do que o saneamento básico e a poluição dos nossos rios. As decisões sobre a matriz energética, a mineração e o agronegócio brasileiros são chanceladas pela geopolítica internacional com o aval das nossas elites.
A geopolítica americana já interferiu na América Latina sobre as facetas de defesa da democracia, combate às drogas, defesa de direitos humanos, por exemplo. Foram todos discursos que esconderam, no primeiro momento, os interesses geopolíticos dos seus promotores. É necessário construir a nossa capacidade de ter um discurso próprio sobre as questões ambientais que atenda aos interesses do Brasil, inclusive, sobre a parcela da população esquecida pelas elites políticas e econômicas. A injustiça ambiental sempre os atinge.
*José Machado Moita Neto é professor aposentado da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e pesquisador da UFDPar.
Nota
[i] https://www.gov.br/mre/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/discursos-artigos-e-entrevistas/ministro-das-relacoes-exteriores/discursos-mre/intervencao-do-ministro-ernesto-araujo-no-painel-redefinindo-a-geopolitica-do-forum-economico-mundial-de-davos-29-01-2021
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