Karl Marx – 140 anos depois

Imagem: Nico Becker
image_pdf

Por MILTON PINHEIRO*

Esse imenso pensador e revolucionário se consolidou como intérprete da contemporaneidade

Em 14 de março do ano em curso completou 140 anos do falecimento de Karl Marx. Esse imenso pensador e revolucionário se consolidou como intérprete da contemporaneidade. Sua grandiosa obra nos permite desvelar de forma concreta a atual quadra histórica que está sendo marcada pela condensação das diversas crises da ordem do capital. Avança o pauperismo social, aprofunda-se a erosão do capitalismo a partir dos seus marcos fundantes, avoluma-se uma profunda crise ideológica que alimenta o ressurgimento do fascismo, a sociabilidade dessa ordem em decadência alimentou as diversas formas de opressões, entre outros fatores determinantes da crise societária que está possibilitando a abertura do cenário político para a disjuntiva elementar do nosso tempo, socialismo ou barbárie.

O fundamental para compreendermos o pensamento de Karl Marx, enquanto um rigoroso teórico do empreendimento contemporâneo, passa por três noções constitutivas que são a teoria do valor trabalho; o método dialético e a perspectiva da revolução. Esse tripé fundamental possibilita, em seu conjunto, um poderoso instrumento de análise para que possamos entender o modo de produção capitalista, a ordem da sociabilidade burguesa e a perspectiva de ruptura; necessários cenários que precisam ser desvelados para que o sujeito imanente da revolução possa abrir caminhos para o processo de emancipação humana.

Karl Marx, ainda em vida, inspirou tradições revolucionárias e variadas interpretações sobre as questões do mundo contemporâneo. Seu legado cresceu nessa longeva jornada, tornou-se presente nas ciências sociais e humanas, nas revoluções do século XX e no movimento da classe trabalhadora por direitos e transformações. No atual momento histórico, mesmo com o imenso problema de organização revolucionária, orientados pelos marxismos, uma fértil militância ontologicamente comunista consegue ter um vasto campo de ação e acurada análise para enfrentar o projeto político do capital, mesmo que o movimento da classe trabalhadora ainda não seja o necessário para indicar uma relação de força pautado na contradição trabalho versus capital.

Embora seja a teoria social com maior capacidade de aderência ao real e para entender a crise societária, o marxismo quando eivado de academicismo estéril e da marxologia diletante, perde sua capacidade de ser sujeito do projeto de futuro da classe trabalhadora, ficando encapsulado ao ambiente de uma lógica sem fertilidade que é incapaz de permitir que a teoria se torne ação concreta.

As contradições da perene cena política contemporânea, com seus impasses do fim de um ciclo, possibilitaram o reaparecimento da extrema direita como alternativa de poder em várias partes do planeta. Ressurgiu o individualismo, o obscurantismo, o fundamentalismo, a xenofobia, o reacionarismo e todas as formas de opressão da sociabilidade capitalista. Karl Marx, como lição e ponto de partida, é uma fonte extraordinária para entendermos o processo em curso e avançarmos na procura do caminho que temos que construir para combater os monstros do fim de ciclo.

A atualidade de Marx encontra-se na análise fina que nos alerta o filósofo francês, Alain Badiou, “enfrentar a realidade do capital é ter uma solução de práxis para a revolução”. Essa trilha seminal é a manifestação da profunda atualidade de Karl Marx. Esse motivo concreto inspira e opera a luta pela hegemonia de um projeto que confronta a ordem do capital no atual ciclo histórico. No entanto, essa perspectiva estratégica só será vitoriosa com a organização da classe trabalhadora e sua duradoura formação teórica.

A obra de Karl Marx é inseparável de sua vida e da luta histórica que travou. Seus estudos sempre refletiram os passos concretos das batalhas que lutou e dos fundamentos que desvelou para avançar na construção da revolução mundial. Sendo assim, no momento em que o gigante pensador marxista Ernest Mandel completaria cem anos, podemos, com base em sua contribuição, descortinar algumas etapas da “história” de Karl Marx.

Os escritos de 1837-1843 conformam o que identificamos como democratismo radical, marcado por trabalhos como As diferenças entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro, A Gazeta Renana e a Crítica da filosofia do direito de Hegel.

Os fundamentos da emancipação política à emancipação social (1843-1844) são encontrados nos livros sobre A questão judaica, na Introdução a uma crítica da filosofia do direito de Hegel e nos Manuscritos econômicos-filosóficos.  

No ápice das revoltas europeias (1848-1850), Karl Marx se dedicou ao movimento da revolução burguesa à revolução proletária. São desse período os textos sobre O Manifesto Comunista, Trabalho assalariado e capital, e a Mensagem ao Comitê Central da Liga dos Comunistas.

Com a derrota da chamada primavera dos povos, Karl Marx escreveu dois livros de balanço dessa vaga revolucionária, das lutas de classes e das lutas políticas daquele período (1850-1852): As lutas de classes na França (três ensaios publicados numa revista) e O 18 de brumário de Luís Bonaparte.

A partir daí um novo ciclo preocupa Karl Marx que começou a desenvolver pesquisas sobre o capitalismo (1853-1859), iniciando o processo de preparação de O capital. É também desse período a colaboração no jornal New York Daily Tribune (1852-1862), os Grundisse e a Crítica da economia política.

A partir de 1860-1867, Karl Marx aprofunda sua obra econômica e realiza debates na Primeira Internacional. Sendo dessa etapa Teorias sobre a mais-valia, Manuscrito II de O capital, Discurso inaugural da Associação Internacional dos trabalhadores, O capital (Vol. I), O capital (Vol. II – manuscrito), 1869-1870.

Podemos fechar esse ciclo intelectual (1867-1883) com as preocupações de Karl Marx sobre a revolução proletária em marcha e os partidos políticos. Temos então os Dois informes sobre a guerra franco-prussiana, A guerra civil na França, Crítica ao programa de Gotha, Carta aos dirigentes da socialdemocracia alemã, Carta a Vera Zassoulith e o Prefácio à segunda edição russa do Manifesto comunista.

Hoje, o pensamento de Marx nos coloca de frente para a história e é fundamental no debate sobre a revolução no começo do século XXI. Afinal, quando os trabalhadores franceses dias atrás, em luta aberta por seus direitos, cantam o hino da Internacional em manifestações nas ruas de Paris, um novo ciclo começa a ser apresentado com forte possibilidade de desvelar as lutas de classes e apresentar um real e concreto projeto de futuro para a humanidade.

*Milton Pinheiro é cientista político e professor titular de história na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).


O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
3
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
4
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
5
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
6
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
7
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
8
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
9
Considerações sobre o marxismo ocidental
07 Dec 2025 Por RICARDO MUSSE: Breves considerações sobre o livro de Perry Anderson
10
O agente secreto
07 Dec 2025 Por LINDBERG CAMPOS: Considerações sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
11
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
12
Insurreições negras no Brasil
08 Dec 2025 Por MÁRIO MAESTRI: Um pequeno clássico esquecido da historiografia marxista brasileira
13
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
14
As lágrimas amargas de Michelle Bolsonaro
07 Dec 2025 Por CAIO VASCONCELLOS: Estetização da política e melodrama: A performance política de Michelle como contraponto emocional e religioso ao estilo agressivo de Jair Bolsonaro
15
O empreendedorismo e a economia solidária – parte 2
08 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Quando a lógica do empreendedorismo contamina a Economia Solidária, o projeto que prometia um futuro pós-capitalista pode estar reproduzindo os mesmos circuitos que deseja superar
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES