Mishima

Patrick Caulfield, Lâmpada e pinheiros, 1975
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Por AFRÂNIO CATANI*

Comentário sobre o livro “A vida e morte de Yukio Mishima”, de Henry Scott Stokes

O interesse pela obra de Yukio Mishima (1925-1970), pseudônimo de Kimitake Hiraoka ganha, a cada dia, maior destaque, mesmo mais de cinquenta anos após a sua morte.

O que comento aqui é um antigo e excelente livro do jornalista britânico Henry Scott Stokes (1938-2022), correspondente de vários jornais ingleses em Tóquio, publicado originalmente em 1974 e que serviu de subsídio para o filme de Paul Schrader, Mishima: uma vida em quatro tempos (1985), produzido por Francis Ford Coppola e George Lucas.

Quartel-general das forças militares de Tóquio, 25 de novembro de 1970, pouco depois do meio-dia: Yokio Mishima, o então mais famoso escritor japonês contemporâneo, autor de mais de uma centena de obras (romances e peças de teatro), cometeu, junto com seu amante Morita, o seppuku, o suicídio ritual dos antigos samurais, conhecido no Ocidente como haraquiri. A partir desse trágico desfecho, Henry Scott Stokes pesquisou durante mais de três anos e elaborou sete versões da biografia de Mishima.

Logo após a morte do escritor, Henry Scott Stokes – que desde 1986 tornara-se seu amigo – reconstituiu os encontros mantidos entre ambos, com o auxílio de diários e anotações feitas entre 1988-1970. Esse material compreende as 30 páginas do “Prólogo”, seguidas do capítulo “O Último Dia”, em que se procura acompanhar as derradeiras horas da vida de Yokio Mishima. No segundo capítulo, “O Começo da Vida (1925-1939)”, Henry Scott Stokes se concentra no exame da infância, da educação formal e das leituras realizadas pelo jovem Kimitake, primogênito de uma família da alta classe média de Tóquio.

O capítulo III, “A Criação de Yukio Mishima” (1940-1949)”, trabalha a formação do escritor, explica a adoção do seu pseudônimo (1941), comenta os primeiros trabalhos publicados em revistas, fala das angústias experimentadas durante os anos da guerra e explora a ligação do jovem escritor com o movimento intitulado Nippon Roman-ha (Os Românticos Japoneses).

Em linhas gerais, os adeptos desse movimento acreditavam no valor da destruição e da autodestruição. Valorizavam a “pureza dos sentimentos” e exigiam a “preservação da pátria”, através do “expurgo de políticos partidários egoístas e dos zaibatsus (empresários). Julgavam que a autodestruição precederia a reencarnação, misteriosamente vinculada à benevolência do imperador. Consideravam a raça japonesa superior a todas as outras”.

Mishima concluiu o curso no Gakushuin (Colégio dos Nobres) em setembro de 1944, ganhando como prêmio por ter-se formado em primeiro lugar um relógio de prata, oferecido pelo imperador, tendo ido recebê-lo no palácio imperial. Em outubro, ingressou na Universidade Imperial de Tóquio, mas, meses depois, foi convocado para trabalhar numa fábrica de aviões. Em compensação, nesse mesmo mês publicou A floresta em pleno esplendor, seu primeiro livro.

Henry Scott Stokes escreve o quarto capítulo, “Os Quatro Rios (1950-1970”, a partir do catálogo de uma exposição dedicada à vida de Mishima (Tóquio, 12 a 19/novembro/1970), que divide seus 45 anos em quatro rios: Literatura, Teatro, Corpo e Ação – todos desembocando no Mar da Fertilidade, tetralogia literária que lhe ocupou seis anos. A crítica literária é analisada em três períodos (1950-1954, 1955-1963 e 1964-1970), o rio teatro é extremamente esclarecedor no sentido de informar que Mishima escreveu cerca de 40 peças para os teatros No (moderno) e Kabuki e, no rio da ação, pode-se localizar a origem de uma ideia romântica que incide diretamente na eventual decisão de cometer suicídio: “A noçao de que a beleza definitiva consiste na morte violenta, sob a condição de que ocorra em plena juventude”.

No final de 1968, Mishima fundou uma espécie de milícia particular, ponderando que a guerra acabou com o equilíbrio perfeito entre o crisântemo (as artes) e o sabre (a defesa nacional), e a partir de 1945 o sabre viu-se relegado ao esquecimento. Assim, seu ideal seria o de restabelecer o equilíbrio, restaurar a tradição do samurai através de sua literatura e de suas atitudes. A milícia, composta de jovens voluntários, seria uma forma de colaboração civil ao governo, com o objetivo de defender o país: “O meu ideal consiste em dar ao Japão um sistema de serviço militar idêntico ao suíço”.

Henry Scott Stokes se lamenta, ponderando que a posteridade se lembrará de Mishima como um agitador fascista, pois a maneira como morreu e a obra literária imperialista que nos legou indicam suas simpatias pela extrema direita. “Recorreu à violência em nome do imperador; tentou levar o país pelo caminho do militarismo, exigindo que o monarca voltasse a ocupar uma posição honrosa e a Constituição fosse reformada para consolidar o papel das Forças Armadas sob a égide do imperador, como antes da Guerra”.

Entretanto, o próprio Stokes acrescenta que preferiria lembrá-lo e admirá-lo como romancista, pois passou a vida inteira escrevendo peças e romances (após sua morte, as obras completas saíram em 36 volumes), sendo mesmo considerado até o final da década de 1960 como um escritor com simpatias vagamente esquerdistas, pois “nunca manifestou opiniões reacionárias antes dos últimos cinco anos de sua vida”. E mais: sua fama de ficcionista no Ocidente  estava bem cotada nessa época e se apontava a já mencionada tetralogia O Mar da Felicidade (com Neve de Primavera, 1969; Cavalos Selvagens, 1969; O Templo da Aurora, 1970 e A Queda do Anjo, 1970) como o melhor de uma série de romances.

*Afrânio Catani é professor titular aposentado da Faculdade de Educação da USP e, atualmente, professor sênior na mesma instituição. Professor na Faculdade de Educação da UERJ, campus de Duque de Caxias.

Publicado originalmente no extinto Jornal da Tarde, em 28. 06. 1986.

 

Referência


Henry Scott Stokes. A vida e a Morte de Yukio Mishima. Porto Alegre: L & PM, 1986, 312 págs.

 

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