Não existem fake-news: só mentira em massa

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por TALES AB`SÁBER*

A recente pesquisa que revelou o aumento dos que consideram ruins as políticas e o estado da economia no Brasil, apesar das mesmas serem boas, descortina o poder efetivo da política neofascista no Brasil

A queda de popularidade do governo registrada em pesquisa recente pode ser pensada, entre outras coisas, como sinal, quase evidente, de que a máquina de propaganda e sedução bolso-conspiratória-evangélico-fascista continua funcionando a todo vapor. De fato, ela continua amplamente livre, leve e solta, trabalhando da mesma forma que possibilitou a chegada ao poder do governo do terror e da destruição nacional, em 2018.

Sabemos, e qualquer pessoa minimamente informada sabe, que a economia da vida, depois de um ano de governo de frente ampla de Lula III, vai razoavelmente bem: o PIB 200% maior do que a julgamento original do “mercado” é um número expressivo. A inflação está controlada e houve aumento real do emprego formal. Há estabilidade e previsibilidade, as bolsas sociais foram retomadas e valorizadas, e são anunciados investimentos industriais internacionais no país.

Porém, no mesmo dia em que o governo apresentou um importante acordo para formalizar e garantir direitos para um milhão de trabalhadores uberizados, na semana em que o IPEA anunciou o aumento recorde da renda do trabalho no país, de 11,7%, que não se via há trinta anos, veio a público o choque do poder efetivo da política neofascista no Brasil: uma pesquisa revelou o aumento significativo dos que consideram ruins as políticas e o estado da economia no Brasil, as mesmas que tudo indica serem boas.

A recusa liminar em reconhecer o trabalho do governo se dá principalmente na faixa de brasileiros que ganham entre 2 e 5 salários mínimos… ou seja, dos trabalhadores pobres, e da classe média baixa, faixa onde também se concentra a grande massa de evangélicos do país.

De fato, para o real povo unido bolso-golpista, evangélicos de direita em busca de poder, e todo os demais tipos de bolsonarismos, a economia do Brasil “nunca foi tão mal”, “o país está arruinado” e “empresas fecham a cada segundo”, como circula cotidianamente em suas amplas redes técnicas nacionais de política, sempre sem dados, mas sempre de forma massiva.

Prosseguindo em seu modo privilegiado de produzir poder, pelo show, pelo escândalo e pela impertinência agressiva, mentiras grosseiras e belicosas constelam aquelas massas sob controle, que gozam, como determinam seus senhores, consumindo tal “informação”, e também produzindo-a. O sujeito aí é a mentira hiper ágil, construída com rigor e método, de linguagem e de política de circulação, na internet.

No mundo deste povo, como já devemos saber, não se lê um jornal, não se considera a história, e o dispositivo geral de controle ideológico liberal, a Rede Globo, por exemplo, se tornou proibido, e deve ser descartado, como a ideia de “globolixo” criada por eles explicita, todos os dias. Como se sabe, há muito eles cindiram a cultura política comum, vivem em um “Brasil paralelo” técnico, de seu próprio “mito”. E, como revelou a pesquisa Quest, eles nos impõem de fato seu terror interno, com muita facilidade, uma das caras da barbárie brasileira de hoje.

A situação exige precisão, entendimento e ação política. Não estamos mais de nenhum modo em 2018, quando progressistas de todos os matizes, com seus partidos, de massa ou não, e seus intelectuais, descobriam, em cima da eleição, que Jair Bolsonaro era uma realidade política forte. E quando ainda se duvidava do caráter neofascista do personagem. Quando pouco ou nada se sabia do mundo cão da internet, das práticas de violência e degradação, calúnia, difamação e declarações permanentes de morte nas redes de massa da extrema direita, impulsionadas ilegalmente.

Quando nada se sabia sobre o ódio e a mentira serem políticas fortes. Quando não vimos o primeiro robô vírus dos Bolsonaros na rede, para reproduzir automaticamente suas falsificações, que apareceu em 2011… realidade que nos parecia irrelevante. Quando não vimos o sistema nacional de organização de massas, em 2015 e 2016, em chats de YouTube e redes de WhatsApp, participando com a maior força do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de Lula, já pedindo então golpe de Estado aos seus generais…

Eles funcionavam em massa, congregando grupos em todo país, sem nenhuma referência ao capitão Jair Bolsonaro em seu projeto já ativo de ditadura. Não estamos mais no tempo em que um candidato tampão do PT à presidência – partido que acreditava que ganharia a eleição mesmo com Lula preso, e com a guerra nacional total aberta contra ele, porque tinha certeza, até setembro de 2018…, que sua disputa era com Geraldo Alckmin, e com o falecido PSDB… – podia convocar jornalistas há uma semana da eleição, para dizer que descobriu “coisas horríveis sendo ditas contra ele na internet”, em que, na propaganda fascista mais branda, ele era um pedófilo criminoso.

E quando a massa de milhões de cafajestes, que até hoje não sabemos chamar pelo nome político preciso, exultava maníaca e feroz com o símbolo da verdade de sua campanha: não uma vassoura, para varrer a corrupção de seus rachadões e seus torturadores e sicários milicianos, nem uma estrela voando no céu da felicidade universal…, mas uma mamadeira de crianças, com bico em formato de pênis. Isso foi feito no Brasil.

Isso foi feito com base na construção material de uma estrutura concreta, indústria cultural real, de uma rede de propaganda fascista no país, que se desenvolve continuamente há dez anos. E estas verdadeiras estruturas materiais da propaganda fascista – onde ódio, mistificação religiosa e recusa de história e realidade dos fatos, são um único processo de sentido – estão totalmente intocadas.

O governo que conseguiu vencer por um fio este movimento em 2022 acredita que apenas retomar as políticas materiais de 2003 é suficiente para dar conta da paixão alucinatória, fundida às redes do grupo nacional de ódio. Continua não entendendo que essa subjetivação é alimentada permanentemente por uma estrutura material de produção e reprodução de memes, mentiras e violência imaginária totalmente liberada. Propaganda de massas permanente, baseada na força do sadismo, como performance psíquica humana.

Por isso, trata-se de fascismo. Infelizmente, aumentar a bolsa família, aumentar a faixa de exclusão de imposto de renda dos mais pobres, empregar mais pessoas, garantir direitos aos trabalhadores de plataformas, nada significa nas redes do controle psicossocial do bolsonarismo. Ali, para algo que varia entre 20% e 30% dos brasileiros, só o que o núcleo político fascista e evangélico diz e promove de fato é.

É espantosa nossa incapacidade histórica continuada de compreender que toda política da direita se dá nesta outra “esfera pública”, inteiramente controlada, e muitas vezes criminosa ao ser alimentada. Quanto mais tempo levamos para punir o seu movimento golpista de 2022, mais forte se torna a presença social do movimento. Nosso verdadeiro negacionismo a este respeito faz claramente parte da força do fascismo entre nós.

Já está na hora das esquerdas, e da esquerda no governo, compreenderem que o móvel de todo bolsonarismo é a sua lógica da mentira estrutural permanente, que se sustenta em seu sistema de propaganda em rede, permanente. Uma catástrofe política e “cultural” que a esquerda não combateu, e não combate, há mais de dez anos.

Afinal, como todos sabemos muito bem, “o comunismo está tomando o país”, “as eleições de 2022 foram fraudadas” e “a economia do governo Lula é de terra arrasada”.

Estamos brincando com fogo, e pólvora, sem nenhuma desculpa ou justificativa mais.

*Tales Ab´Sáber é professor do Departamento de Filosofia da Unifesp. Autor, entre outros livros de O soldado antropofágico: escravidão e não-pensamento no Brasil (n-1/ Hedra). [https://amzn.to/4ay2e2g]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Ronald León Núñez Sergio Amadeu da Silveira Paulo Sérgio Pinheiro Flávio R. Kothe Paulo Capel Narvai Juarez Guimarães Rodrigo de Faria Manchetômetro Walnice Nogueira Galvão João Adolfo Hansen Gilberto Maringoni Eduardo Borges Tales Ab'Sáber Daniel Afonso da Silva Alexandre Aragão de Albuquerque Rafael R. Ioris José Machado Moita Neto Afrânio Catani Anderson Alves Esteves Yuri Martins-Fontes Michael Löwy Luciano Nascimento Jean Marc Von Der Weid Alexandre de Lima Castro Tranjan Dennis Oliveira Marcelo Módolo Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Thomas Piketty José Geraldo Couto João Lanari Bo Carla Teixeira Paulo Martins Caio Bugiato Elias Jabbour Annateresa Fabris Luiz Renato Martins Luís Fernando Vitagliano Dênis de Moraes Marcelo Guimarães Lima Heraldo Campos Luiz Roberto Alves Fernão Pessoa Ramos Manuel Domingos Neto Berenice Bento Érico Andrade Leonardo Boff Ricardo Fabbrini Salem Nasser Maria Rita Kehl Francisco Fernandes Ladeira Priscila Figueiredo João Sette Whitaker Ferreira Michael Roberts Jean Pierre Chauvin Lorenzo Vitral Renato Dagnino Bento Prado Jr. Celso Frederico Slavoj Žižek Milton Pinheiro Fernando Nogueira da Costa Fábio Konder Comparato José Raimundo Trindade Osvaldo Coggiola Atilio A. Boron Ricardo Antunes José Costa Júnior Leda Maria Paulani André Márcio Neves Soares José Micaelson Lacerda Morais Henry Burnett Marilia Pacheco Fiorillo Alexandre de Freitas Barbosa Lincoln Secco Eugênio Bucci Remy José Fontana Marilena Chauí Francisco de Oliveira Barros Júnior Ronaldo Tadeu de Souza Vladimir Safatle Paulo Nogueira Batista Jr Eleonora Albano João Carlos Loebens Henri Acselrad Vinício Carrilho Martinez Sandra Bitencourt Luiz Eduardo Soares Kátia Gerab Baggio Flávio Aguiar Michel Goulart da Silva Claudio Katz Jorge Luiz Souto Maior João Carlos Salles Airton Paschoa Ronald Rocha José Dirceu Ricardo Abramovay Igor Felippe Santos Luis Felipe Miguel Chico Whitaker Eugênio Trivinho José Luís Fiori Eleutério F. S. Prado Carlos Tautz Antônio Sales Rios Neto Alysson Leandro Mascaro Denilson Cordeiro João Feres Júnior Bernardo Ricupero Lucas Fiaschetti Estevez Liszt Vieira Luiz Carlos Bresser-Pereira Antonino Infranca Chico Alencar Mário Maestri Luiz Marques Gilberto Lopes Leonardo Avritzer Tarso Genro Matheus Silveira de Souza Andrés del Río Marjorie C. Marona João Paulo Ayub Fonseca Ricardo Musse Rubens Pinto Lyra Vanderlei Tenório Marcos Silva Marcus Ianoni Valerio Arcary Gerson Almeida Celso Favaretto Ari Marcelo Solon Tadeu Valadares Otaviano Helene Mariarosaria Fabris Plínio de Arruda Sampaio Jr. Boaventura de Sousa Santos Francisco Pereira de Farias Benicio Viero Schmidt Luiz Bernardo Pericás Bruno Fabricio Alcebino da Silva Daniel Costa Daniel Brazil Gabriel Cohn Marcos Aurélio da Silva Armando Boito André Singer Leonardo Sacramento Jorge Branco Everaldo de Oliveira Andrade Antonio Martins Bruno Machado Luiz Werneck Vianna Eliziário Andrade Ladislau Dowbor Samuel Kilsztajn Andrew Korybko Julian Rodrigues Anselm Jappe Paulo Fernandes Silveira

NOVAS PUBLICAÇÕES