O golpe de Estado em curso

Imagem: Lucas Vinícius Pontes
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Por FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA DA SILVA*

Todo aparelho de segurança do Estado, ou seja, da República e da democracia, falhou. E falhou porque insiste em não reconhecer o perigo fascista

Vou dizer uma coisa muito séria e vou fazê-lo com frieza e com as informações de várias fontes e diversas tendências que pesquisei: há um golpe de Estado em curso contra o governo do Presidente Lula.

A ausência de análise política internacional e nacional, com a insistência do núcleo político dirigente em fazer um governo como se estivéssemos em 2002 é um imenso erro.

Vamos lá: no campo internacional os Estados Unidos perceberam, desde a Administração Obama, que a perda de competitividade e de volume econômico é indiscutível. Não conseguindo agir internamente para mudar o quadro, tendo saciado suas lutas internas via a imposição do dólar como um tributo mundial pago para manter as tensões sociais e as margens de lucro, passaram a agir para destruir os eventuais competidores.

Não se trata de uma “Nova Guerra Fria”, ou algo parecido. Não são sistemas sociais e ideológicos em jogo, é, sim, a pura história da ascensão e queda dos grandes impérios. Assim, a “Nova” Rússia e a China Popular foram apontados como os inimigos mais perigosos. Com notáveis diferenças: a Rússia é uma potência mundial que atingiu o seu “teto” de crescimento e expansão, luta pelo status quo e a conservação de seu Estado pluri-étnico e pluri-cultural. Já a China Popular não tem, até o momento, um teto de crescimento e o Projeto RBI, a “nova rota da Seda”, confundiu e exasperou a elite norte-americana.

A China estendeu-se não só para o seu “entorno geopolítico” como ainda para os continentes tradicionais de hegemonia das potências norte-atlântica, como África e América Latina. Neste sentido, países como Venezuela, Bolívia, Peru e Nicarágua (onde empresas chinesas planejam um novo canal bio-oceânico que ameaçaria de forma estratégica a relevância do Canal do Panamá).

Assim, a peça mais valiosa no tabuleiro era manter a amarração do Brasil aos Estados Unidos, garantindo os interesses americanos e britânicos no país. Para isso operou a inteligência americana na derrubada do Governo do PT e nos dois governos dependentes posteriores. O retorno de Lula da Silva ao poder, reintroduzindo o protagonismo brasileiro em política externa contraria, irrita e move as forças americanas para deslegitimar o governo Lula da Silva.

Os compromissos americanos com a democracia vão até onde seus interesses nacionais não sejam recusados ao ameaçados, como comprovam a longa história de excelentes relações dos EUA desde o Chile de Pinochet até atual homicida família Saud. No plano interno o núcleo político do governo Lula errou em encetar uma política de “normalidade” democrática, mesmo após quatro tentativas de golpe de Estado : em 7 de setembro de 2021, em 30 de outubro de 2022, em 12 de dezembro de 2022 e em 8 de janeiro de 2023.

Alguns nomes notáveis do governo, com responsabilidades na área de segurança, como no GSI, Abin e Ministério da Defesa, produziram um diagnóstico de esvaziamento do bolsonarismo irreal. Falando em “apaziguamento” e “gradualismo” permitiram a presença de um bom número de bolsonaristas “de raiz”, de tipo fascista, militares e civis, a permanecerem no poder e ainda permitem como no Incra, PF, PRF, etc.

Foram trocados todos os comandos militares, exceto do Leste, bem como dos departamentos, envolvendo 72 militares. Outros 200 em serviço no Planalto foram exonerados. Jair Bolsonaro havia nomeado 6.758 militares em cargos civis da Administração. É só fazer a conta. Dezenas e dezenas de cargos continuam em aberto em busca de um personagem identitário e popular para a mídia, mesmo quando não são politicamente ativos e representativos.

Outros aguardam as definições do União Brasil, PP e mesmo do PL. Necessidades da governança com minoria, mas não aconselhável quando já se sofreu um golpe, sabe-se do ânimo anti-democrático de boa parte do aparelho de Estado – forças com o monopólio da violência, parcelas do Serviço Público, da Magistratura e um forte partido de oposição que aposta no golpe, seja via impeachment, seja via a instauração de uma República autoritária.

Na última semana, com Lula no exterior, figuras do Alto Comando do Exército, inclusive seu comandante, anunciaram o papel indispensável das Forças Armadas em virtude de um muito provável, e próximo, ataque externo. Os exemplos da Ucrânia e de Taiwan são citados com incrível constância. Assim, a tutela militar questionada internamente se justificaria pela intenção de ataque de potências fora do hemisfério utilizando-se de países aliados em nosso continente.

Sem tutela militar o Brasil estaria perdido. Vozes gerais na mídia ecoam o “risco de defesa” em fase de uma política externa “irresponsável” de Lula. Da mesma forma, a “aceitação” pacífica por parte das Forças Militares de que seus membros sejam levados aos tribunais civis não esconde o frigir de dentes nós quartéis. Na semana que generais depõem e coronéis são indiciados, a tensão nos aparelhos militares de inteligência ascende.

Dois grandes fenômenos se dão ao mesmo tempo: de um lado, uma epidemia de ataques e ameaças às escolas, alunos e professores; de outro lado, uma campanha de ceticismo e pessimismo sobre o desempenho da economia, aproveitando-se da má comunicação do governo – exceto de Lula, que sempre cativa seus eleitores – e de uma cisão da gestão política com a gestão econômica, como no caso das plataformas chinesas de importação.

Ao mesmo tempo os crimes raciais e a explosão de ódio racial e social “saem do armário”. Toda essa “murmuração”, muito semelhante ao “Grande Medo” de vésperas da Revolução Francesa, atinge diretamente o público de apoio ao governo Lula.

Por fim, o mercado e seus dependentes desenvolvem continuamente a defesa de juros kamikazes, mesmo absurdos na conjuntura de retração econômica e desemprego, com a economia sendo sabotada por dentro dos gabinetes da Republica.

A revelação dos vídeos do GSI, editados ou não, são parte dessa campanha contra o governo Lula, gera mal-estar, falta de confiança e dúvidas desnecessárias. Todo aparelho de segurança do Estado, ou seja, da República e da democracia, falhou. E falhou porque insiste em não reconhecer o perigo fascista.

Este conseguiu unificar as direitas extremistas, buscar fôlego no velho fundo racista, patriarcal, misógino e falocrata da história do país. A democracia para ser forte precisa de homens democratas, intransigentes com o fascismo. Hoje no Brasil não temos alternativas: é vencer ou vencer! A alternativa ao governo Lula é o horror fascista. Viva a democracia!

*Francisco Carlos Teixeira da Silva é professor visitante do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Autor, entre outros livros, de O concerto das nações: conservadores, reacionários e fascistas (1833-1945) (Autografia).

Publicado originalmente no portal Diário do Centro do Mundo.


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