O início da idade de ferro

Imagem: Anna Shvets
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

O que Donald Trump fez, pomposamente, é uma declaração de guerra contra a Terra e contra a humanidade

A primeira frase de Donald Trump em seu discurso de posse foi à 12.02 minutos de 20 da janeiro de 2025: “nesse exato momento, começou a idade de ouro dos Estados Unidos”. A propor seus planos de colocar a “América em primeiro lugar” (no sentido de só a América) e praticamente fazê-la dona do mudo, tudo indica que a pretensa idade de ouro vai terminar na idade de ferro.

Nunca se viu na história dos presidentes norte-americanos a tanta arrogância, espírito de exclusão e a clara disposição de usar seu enorme poder, especialmente, militar, para subordinar a todos os países e fazer objeto de apropriação cada região do planeta que estiver no âmbito dos interesses estadounidenses, nomeadamente a Groelândia, o Canal do Panamá não excluído o Canadá. Em seu discurso não se ouviu nenhum sussurro das grandes maiorias pobres do mundo que apenas gritam para sobreviver ou não serem mortas. Lá no Capitólio estava presente toda “a elite do atraso” humanístico mundial: os CEOs das Big Techs Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezzos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Elon Musk(Tesla,SpaceX e X), as grandes fortunas além de outros magnatas do sistema financeiro mundial.

Nenhuma palavra ou promessa foi ouvida ou sequer referida, no sentido de diminuir a gritante desigualdade social planetária, os números sinistros da fome e das doenças que grassam por toda a humanidade. Foi a proclamação triunfal do poder pelo poder, entendido na sua forma maligna de dominação e imposição. Não haverá barreiras que signifiquem algum obstáculo para impedir que, em cada momento, “a América não esteja em primeiro lugar”. Diz explicitamente que imporá a paz pela força. A cegueira narcisista imbeciliza a Trump ao esquecer que esse tipo de paz, não é paz, mas, no máximo, uma pacificação. Gerará nos pacificados humilhação, rancor e vontade de vingança. É o nicho no qual maduram o terrorismo e a onda de atentados, a única força que resta aos dominados para expressar sua rejeição.

A deportação forçada de milhares de imigrantes manu militare, a alta taxação de produtos importados, especialmente da China e chegando a 100% dos países do BRICs, a negação das políticas de costumes que protegiam aqueles de outra opção sexual e o casamento entre homoafetivos, foram centrais em seu pronunciamento.

Nada entretanto, é mais grave do que a saída do Tratado de Paris de 2015 pelo qual todas as nações se comprometeram em reduzir até 2300 as emissões de gazes de efeito estufa para que o clima da Terra não ultrapassasse 1,5 graus Celcius em referência à era pré industrial (1850-1900). Não só elogiou, mas fez uma verdadeira exaltação da extração do petróleo e do gás tornando dos EUA o insuperável produtor dessa energia fóssil, sabendo que, após a China, os EUA é o país que mais polui a atmosfera. É dado científico assegurado que já agora, em grande parte do planeta, se ultrapassou esse limite, chegando a 1,5 e 1,6 C até 2 C. Não estamos indo ao encontro do acontecimento do aquecimento global. Estamos já dentro dele, o que é constatado pelos eventos extremos como as grandes enchentes no Sul de nosso país, em Valência e em muitas partes do mundo, as severas secas e incontroláveis queimadas na Flórida, na Amazônia, no Pantanal. Reconhecem muitos cientistas que a ciência chegou atrasada. Ela não consegue mais fazer retroceder esta mudança da Terra, apenas prevenir a chegada dos eventos extremos e mitigar seus danos.

O que Donald Trump fez, pomposamente, é uma declaração de guerra contra a Terra e contra a humanidade. Se realizar seu intento de explorar cada fonte de petróleo e incentivar a volta ao uso da gasolina nos carros em detrimento daqueles elétricos, poderá agravar poderosamente os eventos extremos como tufões e tornados tão frequentes nos EUA e em outras partes do planeta.

Além do mais, com o isolacionismo econômico que quer impor aos EUA, está destruindo as pontes que penosamente estavam relacionando todos os países dentro da única Casa Comum, num processo irreversível de planetização, como a fase nova da própria Terra e da inteira humanidade. Depois de milhares de anos de migração pelos continentes, os povos estão voltando a encontrar-se num único lugar comum: o planeta Terra, feito Lar Comum de todos e de suas eculturas. Tudo isso segundo Donald Trump deve ser demolido em nome da absoluta e inquestionável supremacia dos EUA sobre tudo e sobre todos.

Não é improvável que cheguemos a um ponto de não retorno e caminharemos ao encontro não da presumida idade de ouro, exclusiva dos Estados Unidos e não da inteira humanidade, mas na direção da Idade de ferro com o regresso a formas menos civilizadas de convivência entre todos e de cuidado e respeito à natureza. Será um fracasso fragoroso imposto à arrogância de um supremacista branco e uma frustração aos sonhos de muitos da humanidade que nunca desistiram da grande utopia de Teilhard de Chardin, de construimos a Noosfera (mentes e corações unidos) ou do Papa Francisco, de todos juntos colaborando para realizar a fraternidade universal, todos sendo irmãos e irmãs da natureza e entre todos os seres humanos.

Sonhos desta natureza nunca morrem. Ridicularizados ou negados, sempre ressurgem com mais vigor. Pois, eles representam o sentido secreto do processo da evolução que chegou até nós e que corresponde aos desígnios do Criador. Não caiamos na ilusão de uma idade de ouro, impossível com os métodos de Donald Trump. Tentemos evitar a idade de ferro ou prepararmo-nos para ela que fatalmente seguirá à ilusão do arrogante presidente dos Estados Unidos.

*Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Cuidar da Casa comum: pistas para protelar o fim do mundo (Vozes). [https://amzn.to/3zR83dw]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Umberto Eco – a biblioteca do mundo
Por CARLOS EDUARDO ARAÚJO: Considerações sobre o filme dirigido por Davide Ferrario.
A crônica de Machado de Assis sobre Tiradentes
Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Uma análise machadiana da elevação dos nomes e da significação republicana
O complexo de Arcádia da literatura brasileira
Por LUIS EUSTÁQUIO SOARES: Introdução do autor ao livro recém-publicado
Dialética e valor em Marx e nos clássicos do marxismo
Por JADIR ANTUNES: Apresentação do livro recém-lançado de Zaira Vieira
Cultura e filosofia da práxis
Por EDUARDO GRANJA COUTINHO: Prefácio do organizador da coletânea recém-lançada
O consenso neoliberal
Por GILBERTO MARINGONI: Há chances mínimas do governo Lula assumir bandeiras claramente de esquerda no que lhe resta de mandato, depois de quase 30 meses de opção neoliberal na economia
O editorial do Estadão
Por CARLOS EDUARDO MARTINS: A grande razão do atoleiro ideológico em que vivemos não é a presença de uma direita brasileira reativa a mudanças nem a ascensão do fascismo, mas a decisão da socialdemocracia petista de se acomodar às estruturas de poder
Gilmar Mendes e a “pejotização”
Por JORGE LUIZ SOUTO MAIOR: O STF vai, efetivamente, determinar o fim do Direito do Trabalho e, por consequência, da Justiça do Trabalho?
Brasil – último bastião da velha ordem?
Por CICERO ARAUJO: O neoliberalismo vai caducando, mas ainda parasita (e paralisa) o campo democrático
Os sentidos do trabalho – 25 anos
Por RICARDO ANTUNES: Introdução do autor à nova edição do livro, recém-lançada
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES