Por KÁTIA GERAB BAGGIO*
O objetivo do Grupo Globo, como se sabe, é controlar o processo de transição, a partir da etapa final do desgoverno Bolsonaro, seja como for
O artigo de Ascânio Seleme — publicado n’O Globo, no dia 11 de julho, com o título afirmativo “É hora de perdoar o PT”[i] (que já diz muito sobre sua arrogância e hipocrisia) — foi escrito, com a provável anuência dos irmãos Marinho, para testar as reações às suas propostas, tanto dos setores da direita liberal que estão descontentes com Bolsonaro na Presidência (mas apoiam a política econômica ultraliberal comandada por Paulo Guedes) como, por outro lado, do PT e das esquerdas.
A questão que o artigo revela é: a direita liberal e os agentes do mercado financeiro — cujos interesses o Grupo Globo representa — chegaram à conclusão que precisam do PT e das esquerdas para tirar Bolsonaro da Presidência.
Quando a situação da pandemia permitir, depois de controlada, serão as esquerdas e os movimentos sociais que lotarão as ruas, praças e avenidas das cidades brasileiras pelo “Fora Bolsonaro”, tanto petistas como não petistas.
No dia 11 de julho, Ricardo Cappelli (PCdoB) publicou um texto com o título “Hora de perdoar a Globo”.[ii] Dois dias depois, Gilberto Maringoni (PSOL) publicou o artigo intitulado “A Globo faz bravatas e chama o PT para conversar. O Partido vai recusar?”[iii]. Ambos defendem que o PT “perdoe” o Grupo Globo — ainda que Maringoni não escreva com essas palavras — e estabeleça conversações com representantes da empresa.
Se o Grupo Globo e setores da direita liberal querem tirar Bolsonaro da Presidência — depois de terem tido um papel central no processo de criminalização do PT e da política, que permitiu a eleição do ogro, em 2018 —, eles que cumpram com o seu papel de denunciar os imensos retrocessos desse desgoverno e de buscar provas (como faz o jornalismo investigativo) dos vínculos estreitos da família Bolsonaro com o crime organizado do Rio de Janeiro e os matadores de aluguel do “Escritório do Crime”. Aliás, o jornalismo do Grupo Globo — se fosse efetivamente responsável pelo futuro do Brasil — deveria ter feito isso antes e durante a campanha eleitoral de 2018, mas a vitória de Fernando Haddad (PT) não interessava.
Torço para que os setores da direita liberal que agora estão contra Bolsonaro — mas que permitiram sua eleição em 2018 — façam sua parte.
As esquerdas também farão a sua, defendendo a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão — são conhecidos os métodos espúrios utilizados na campanha eleitoral — e não apenas o impeachment, com a manutenção de Mourão e Guedes (ou outro ministro que defenda a mesma política econômica) no poder.
O PT não deve “perdoar” — vale registrar que o Grupo Globo não pediu nenhum perdão — e nem dar as mãos aos golpistas. Cada qual faz a sua parte, mas não precisam se unir em uma “frente ampla” que, na verdade, não existe.
O objetivo do Grupo Globo, como se sabe, é controlar o processo de transição, a partir da etapa final do desgoverno Bolsonaro, seja como for. E estar sob este controle é tudo o que não interessa ao PT.
Veremos o que virá.
*Kátia Gerab Baggio é professora de História das Américas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
[i] Ascânio Seleme. “É hora de perdoar o PT”. In: O Globo, 11 de julho de 2020 [Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/e-hora-de-perdoar-pt-24527685].
[ii] Ricardo Cappelli. “Hora de perdoar a Globo”. In: Brasil 247, 11 de julho de 2020 [Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/hora-de-perdoar-a-globo].
[iii] Gilberto Maringoni. “A Globo faz bravatas e chama o PT para conversar. O Partido vai recusar?”. In: GGN, 13 de julho de 2020 Disponível em: https://jornalggn.com.br/opiniao/a-globo-faz-bravatas-e-chama-o-pt-para-conversar-o-partido-vai-recusar-por-gilberto-maringoni/].