Roniwalter Jatobá

Tayseer Barakat. Mar sem costa, 2019.
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por DANIEL BRAZIL*

Roniwalter Jatobá é autor de obra originalíssima, cultor de escrita límpida e precisa que nunca escorrega na vulgaridade

Numa obra já ironicamente clássica, o escritor Ítalo Calvino (1923/1985) se propôs responder à famosa questão “Por que ler os clássicos?”, defendendo a necessidade de conhecer os textos mais marcantes de cada época, com argumentos que vão da pura fruição estética até a necessidade histórica de conhecer os alicerces e baldrames que sustentam o edifício literário da humanidade.

Sem a elegância do mestre italiano (nascido em Cuba!), arrisco afirmar que um dos autores brasileiros vivos que mais se aproximam do conceito de clássico, no sentido de necessário, é Roniwalter Jatobá. Autor de obra originalíssima, cultor de escrita límpida e precisa que nunca escorrega na vulgaridade, mantém desde as primeiras obras publicadas uma coerência temática e formal que o distingue da grande maioria dos contemporâneos.

Roniwalter Jatobá colocou personagens migrantes e operários como protagonistas, em meados dos anos 1970. Seria exagero dizer que foi um pioneiro, mas ninguém foi tão consistente e verossímil até então. Sua escrita é um mergulho existencial e sociológico, traduzida em literatura de primeira qualidade, sem o menor traço de academicismo. Desde Sabor de química (1976), volume inaugural de contos, passando pelo essencial Crônicas da vida operária (1978) até Tiziu (1994), novela que recupera ambientes, situações e personagens de narrativas anteriores, a escrita de Roniwalter Jatobá se refina, se concentra, sem desviar o foco.

O que uma obra como essa pode nos ensinar? Não só o “se queres ser universal, comece a pintar a tua aldeia” de Tolstói, mas o “se queres ser universal, retrate a tua época”. Roniwalter Jatobá conjuga tempo e espaço geográfico com a sabedoria de quem vivenciou e a ousadia de não ser um mero relator, mas um transfigurador que utiliza a linguagem para criar um campo ficcional carregado de verossimilhança e contundência.

O autor também publicou crônicas, outros contos e novelas nos anos 2000, sendo premiado com o Jabuti em 2012 por Cheiro de chocolate e outras histórias.

As obras do ciclo operário (Sabor de química, Crônicas da vida operária e Tiziu) foram reunidas no volume No chão da fábrica (Nova Alexandria). Ler (ou reler) estes textos hoje nos proporciona estabelecer conexões às vezes perturbadoras com as transformações que o mundo do trabalho vem passando, no mundo todo. A precarização crescente e a perda de direitos duramente conquistados se mesclam com a preservação de estruturas autoritárias que vêm de séculos anteriores, criando um terreno pantanoso que poucos autores arriscam palmilhar.

Roniwalter Jatobá o faz com capricho artesanal e concisão narrativa, sem medo de lançar mão de imagens poéticas, ainda que marcadas pela aspereza da realidade, ou de narrar na primeira pessoa buscando tocar de perto o leitor. E essa aproximação ao mesmo tempo choca e fascina, ambiguidade rara que só mestres manejam com perfeição.

*Daniel Brazil é escritor, autor do romance Terno de Reis (Penalux), roteirista e diretor de TV, crítico musical e literário.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • A massificação do audiovisualcinema central 11/11/2024 Por MICHEL GOULART DA SILVA: O cinema é uma arte que possui uma base industrial, cujo desenvolvimento de produção e distribuição associa-se à dinâmica econômica internacional e sua expansão por meio das relações capitalistas
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Ainda estou aqui — habeas corpus de Rubens Paivacultura ainda estou aqui 2 12/11/2024 Por RICARDO EVANDRO S. MARTINS: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O porto de Chancayporto de chankay 14/11/2024 Por ZHOU QING: Quanto maior o ritmo das relações econômicas e comerciais da China com a América Latina e quanto maior a escala dos projetos dessas relações, maiores as preocupações e a vigilância dos EUA
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES