Por João Feres Júnior*
Os únicos partidos na Câmara consistentemente oposicionistas são o PT e o Psol. O centro é habitado por Rede, PDT e PSB. Todo o resto da Câmara vota com o governo, quase sempre.
Entre as muitas novidades trazidas pela eleição presidencial de 2018, uma das mais importantes do ponto de vista político foi a derrota fragorosa do centro, ou melhor, das forças e partidos que ocupavam o centro do espectro ideológico. O representante dileto da centro-direita, Geraldo Alckmin, conseguiu pouco mais de 4% dos votos válidos no primeiro turno. Se ainda valesse o paradigma comunicacional que vigorou por toda Nova República, quem tem estrutura partidária, recursos financeiros, tempo de Horário da Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG) e apoio da grande mídia, teria grande probabilidade de chegar ao segundo turno. Alckmin teve tudo isso e fracassou.
O PT, seja por ser historicamente o partido líder isolado em identificação popular ou pelo carisma e popularidade de Lula, conseguiu chegar ao segundo turno. Mas ninguém ocupou o lugar que antes era do PSDB. Pelo contrário, a vitória coube a Jair Bolsonaro, candidato que era fraquíssimo em todos os elementos do paradigma antigo: partido e coligação insignificantes, parco financiamento oficial, tempo pífio de televisão e tratamento desfavorável da imprensa – ainda que no longo prazo a grande mídia tenha criado as condições ideológicas para sua vitória.
Passado o tsunami eleitoral, as forças políticas que não compõem o bolsonarismo parecem ainda estar operando em conformidade com o paradigma antigo, ou seja, estão em busca do centro. O PT planejando uma política de alianças que segure sua sangria eleitoral nos municípios e os partidos da velha centro-direita lançando candidatos balões. Todos, contudo, continuam trabalhando com o pressuposto mais básico do paradigma antigo: a distribuição normal do universo de eleitores ao longo do espectro ideológico. Em palavras menos técnicas, isso quer dizer que as preferências ideológicas do eleitorado se distribuem ao longo de uma curva em formado de sino, com poucos radicais à esquerda e direita e a massa de eleitores em torno do centro.
Essa premissa é a base da teoria do eleitor mediano, segundo a qual, em sistemas bipartidários, aquele candidato que capturar o eleitor no meio da distribuição (a mediana), vence. Tal teoria da Ciência Política, feita para explicar originalmente o sistema político americano, parecia ser tão boa que funcionava também para outros sistemas políticos, inclusive o nosso. Ora, a Carta aos Brasileiros foi uma estratégia que Lula usou para capturar o centro com a finalidade de vencer a eleição. Deu certo.
Mas sinais de que havia algo de errado com a premissa em que se baseava tal cálculo já se tornaram evidentes com a vitória do candidato republicano George W. Bush contra o democrata Al Gore em 2000. Bush não se preocupou em nenhum momento durante a campanha em fazer concessões ao centro, adotando em uma agenda neoliberal e criptoracista, enquanto Gore insistia em parecer o candidato mais moderado, prometendo combinar os interesses do mercado aos da sociedade. Em termos de distribuição ideológica do espectro eleitoral, Bush apostou em consolidar uma “montanha” à direita que fosse maior que a montanha da esquerda. Ao invés de uma curva em forma de sino, ou de corcova de dromedário, tivemos uma curva no formato das costas de um camelo.
Trump empregou essa tática, radicalizando ainda mais o discurso à direita, e deu certo novamente. E em 2018 assistimos à chegada dessa inovação no Brasil. O país que até há pouco não tinha um partido sequer que assumia a identidade de direita, de repente viu um candidato de extrema-direita ganhar a eleição. Bolsonaro, como seus predecessores americanos, apostou que a consolidação de uma base de direita por meio de um discurso radicalizado, poderia lhe garantir a vitória. Deu certo.
Dado esse estado de coisas, será que a estratégia de recompor o centro seria razoável, ou mesmo factível?
Uma análise sólida dessa questão precisa levar em conta dois elementos fundamentais da democracia contemporânea, a representação política e a opinião pública. A representação, feita por partidos e políticos, domina as análises chamadas institucionalistas. Já a opinião pública tende a frequentar análises mais preocupadas com o aspecto deliberativo da democracia, isto é, como as pessoas formam suas preferências ou aderem a valores e visões de mundo. Infelizmente, a maior parte das análises produzidas pelos publicistas de plantão focam exclusivamente em um ou outro elemento.
Onde está o centro no plano da representação? Levantamento recente feito pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (http://olb.org.br) das votações nominais no Congresso brasileiro mostra altíssimo nível de governismo na Câmara e no Senado. Os únicos partidos na Câmara consistentemente oposicionistas são o PT e o nanico PSOL. O centro é habitado por Rede, PDT e PSB. Todo o resto da Câmara vota com o governo, quase sempre. Em uma escala de governismo de 1 a 10, 73,4% dos deputados tiveram nota maior que 7 e 50% alcançaram 9 ou 10.
No Senado a polarização é ainda mais aguda. À esquerda temos PT, REDE, PDT e PSB e à direita todo o resto do espectro partidário. Simplesmente não há centro.
Se na eleição assistimos ao derretimento da centro direita, que produziu um segundo turno no qual a centro-esquerda enfrentou a extrema direita, depois da eleição, quando a política nacional se centra na relação executivo e legislativo, reproduz-se uma polarização entre uma pequena esquerda, liderada pelo PT, com uma massacrante maioria governista, que inclui os partidos da antiga centro-direita, como o PSDB e o DEM.
Onde estaria o centro no âmbito da opinião pública? Para tentar responder essa pergunta precisamos desconstruir um pouco o conceito de opinião pública, sempre tão fugidio. Ele na verdade só se justifica contrafactualmente, isto é, sem o assentimento da opinião pública, as instituições teriam que se sustentar exclusivamente pela coerção nos períodos entre eleições. Como isso não se verifica, então devemos supor que há um clima de legitimidade, seja ela passiva ou ativa, que permite que as coisas funcionem minimamente. Na verdade, há uma ocasião periódica em que a opinião pública se consubstancia e pode ser observada, ainda que em forma limitada: as eleições – quando são instadas a expressar suas vontades e preferências, que então são quantificadas.
Se pensarmos na eleição de 2018 por esse ângulo, colocando nossa pergunta central, veremos que parte do centro opiniático apoiou o candidato do PT, Fernando Haddad, e parte dele migrou para a proposta de extrema direita de Bolsonaro, deixando então sua posição inicial. O antipetismo pode ter tido papel fundamental neste segundo fenômeno. Ainda assim, o PT continuou onde estava, ou seja, ocupando a banda esquerda do centro-político, mas a centro direita derreteu eleitoralmente, e escorreu para o lado de Bolsonaro.
Qual seria, então, a probabilidade desse centro ser recomposto? O que faria com que o eleitorado abandonasse o modelo do camelo e voltasse ao dromedário? Quais seriam as ações necessárias para que esse empreendimento de recomposição do centro dê certo, seja em benefício da velha centro-direita, seja do PT?
Termino esse curta reflexão com essas indagações. A mim parece que os velhos tempos, quando partidos, horário eleitoral, cobertura da imprensa e debates tinham um papel decisivo na eleição, se foram para nunca mais voltar. Penso que houve mudanças importantes nos padrões de comunicação política que não podem mais ser ignoradas. Mas isso é assunto para um próximo artigo.
*João Feres Júnior é professor de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da UERJ. É coordenador do GEMAA – Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (http://gemaa.iesp.uerj.br/) e do LEMEP – Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço Público.