A insanidade da guerra

Tayseer Barakat, Gaza/Palestina, 1959
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Por LEONARDO BOFF*

Esta guerra, totalmente assimétrica, nos levanta a grande questão: por que os seres humanos se matam ou se assassinam reciprocamente?

O devastador e letal ataque ao hospital batista Al-Ahli, sustentado pelos anglicanos, no centro de Gaza é um claro crime de guerra segundo leis internacionais. Há uma guerra de versões sobre quem foi o causador. O que, na verdade, importa são as centenas vidas humanas (471?) ceifadas criminosamente. O fato e as cenas nos tomaram de horror, indignação e solidariedade para com os atingidos e com o povo palestino, vítima de uma punição coletiva.

Na penosa história dos palestinos em busca de uma pátria, houve inúmeros assassinatos em massa em Hebron (1929), Dier Yassin (1948), Kufer Qassem (1956), Hebron (1994) o massacre da Marcha do Retorno (2018). Jamais deve ser esquecido e condenado o perverso ato terrorista do Hamas em Israel no dia 7 de outubro, assassinando aleatoriamente mais de mil israelenses, entre eles crianças e duas centenas de reféns.

O revide do Estado de Israel, com o escandaloso apoio incondicional dos EUA, está sendo cruel e sem piedade, atingindo milhares de civis, sendo 50% da população de crianças e de jovens. O cerco total com o corte de água, alimentos e energia, por parte de Israel, constitui um crime humanitário.

Esta guerra, totalmente assimétrica, nos levanta a grande questão: por que os seres humanos se matam ou se assassinam reciprocamente? Quais são as raízes desta perversidade? É possível a paz entre os humanos e com a natureza?

Seria longo refletir sobre as várias interpretações do caráter demente e belicoso do ser humano, coisa que tentamos fazer em artigo anterior, postado no site A Terra é Redonda. Aqui resumimos a questão na troca de cartas entre Albert Einstein e Sigmund Freud.

Em 30 de julho de 1932 perguntava Einstein a Freud: “há um modo de libertar os seres humanos da fatalidade da guerra? Existe a possibilidade de dirigir a evolução psíquica a ponto de tornar os seres humais mais capazes de resistir à psicose do ódio e da destruição” (Einstein on Peace, 98).

Freud recorre a essas duas pulsões que sustentou durante a sua toda a sua vida e obra: temos em nós a pulsão de morte (Thánatos) e a pulsão de vida (Eros). Ambos coexistem em cada ser humano. A pulsão de morte responde por todo tipo de violência e guerras que marcam a história pessoal e coletiva da humanidade. A pulsão de vida se expressa pelo amor, pela amizade, pela solidariedade, pela compaixão, também coexistindo em cada ser humano.

Realisticamente respondeu Freud a Einstein: “Não existe a esperança de poder suprimir de modo direto a agressividade dos seres humanos. Contudo, podem-se recorrer a vias indiretas, reforçando o Eros, princípio de vida contra o Thánatos, princípio de morte. Tudo o que faz surgir laços emocionais entre os seres humanos age contra a guerra;tudo o que civiliza o ser humano trabalha contra a guerra” (Obras Completas, III:3, 215).

Mas nos adverte que estas duas pulsões se enfrentam e buscam se equilibrar, mas não sabemos qual será a predominância de uma sobre a outra. Termina com uma frase misteriosa e resignada: “esfaimados pensamos no moinho que tão lentamente mói que podemos morrer de fome antes de receber a farinha”. Aqui aparece certo pessimismo de Freud face ao curso de nossa história. Agora estamos, horrorizados, assistindo ao que o grande psicanalista intuiu.

Não obstante, continuamos a buscar teimosamente a paz e nunca desistiremos. Se não pode ser como estado permanente pelo menos como um espírito que nos faz preferir o diálogo ao confronto, a busca cordial de pontos em comum ao enfrentamento belicoso.

O pressuposto básico para a paz consiste em afirmar a humanidade em todos e em cada ser humano, independente, de sua condição étnica, cultural, religiosa e de gênero. Devemos todos tratar-nos humanamente. Isso, lamentavelmente, não ocorre. Há supremacistas raciais (de brancos), religiosos e todo tipo de exclusivismos. Por exemplo, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, numa atitude tipicamente supremacista declarou numa entrevista a jornalistas internacionais: “nós estamos lutando contra animais e agindo de acordo… utilizando todo o poder bélico para reduzir a Cidade de Gaza a escombros”. Isso só é possível negando humanidade aos habitantes da Faixa de Gaza, feitos não-humanos e, pior, reduzidos a animais.

Desta forma, toda submissão de um povo pela violência e pela guerra deixa neste um rastro de amargura, de ódio e de desejo de vingança, que dará origem a reações violentas, a atentados e a novos conflitos. Há de se considerar que Israel matou cerca de 15 vezes mais civis do que palestinos durante a última década como afirmou Oren Yiftachel, judeu israelense da Universidade Urban Studies da Ben Gurion University of Negev.

Há que se buscar o encontro confiado e cordial entre todos os diferentes povos. Belo exemplo nos dá o regente de orquestra, o judeu Daniel Barenboim que em sua orquestra e escola em Israel convivem e cultivam a música israelenses, palestinos e judeus juntos. Afirma ele: “Isso reforça a minha convicção de que só pode haver uma solução para o conflito: com base no humanismo, na justiça e na igualdade e sem força armada e ocupação”. A paz é resultado e consequência deste tipo de atitude, bem expressa na Carta da Terra quando “reconhece que a paz é a plenitude que resulta de relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com o Todo maior do qual somos parte” (IV, 16f).

É triste constatar que na terra do Príncipe da Paz, Jesus de Nazaré, ocorram tais violências brutais e guerras devastadoras, cujas vítimas são na maioria civis e inocentes mães e crianças.

No final nos cabe proclamar Shalom, Salam, Pax et Bonum, Paz e Bem.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz (Vozes).


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