Qual Brasil?

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Ao ler o editorial do jornal Folha de S.Paulo, do dia 1º. de agosto, “Política econômica de Lula volta a perder credibilidade”, sobre as contas públicas, dívida pública e gastos sociais, chego à conclusão de que nosso Brasil caminha para a catástrofe. Mais: tem um governo irresponsável, gastador, único culpado pelos juros altos e que devem subir logo mais, segundo as previsões do chamado mercado, para, acreditem, deter a sanha gastadora do presidente da República.


No mesmo dia, no jornal Valor Econômico, leio que existe outro Brasil. Dizem os títulos das matérias: “Anúncio de investimentos produtivos no país aumenta 24% de janeiro a julho”, “Crescimento do PIB deve acelerar no 2º. trimestre”, “Emissão externa ganha fôlego em setembro”, “Aposta de estrangeiro no setor produtivo cresce 29%”. Anteontem, dia 3 de setembro, mais notícias positivas: “Confiança cresce entre empresários, afirma FGV”, “Alcoa investe R$ 1 Bi em operação de cabotagem própria”, “Órigo capta R$ 600 milhões para expandir geração solar no Brasil”.


Sem falar nos bons resultados do PIB no trimestre: “PIB do Brasil cresce 1,4 no 2º. trimestre e avança 3,3% em um ano” é chamada principal do site UOL. E, como decorrência natural do crescimento do PIB, temos mais emprego e renda. No primeiro semestre de 2024 foram criados 1,3 milhão de empregos.


Que notícias temos da Bolsa de Valores e do dólar? Altas e baixas, histeria e euforia, no fundo desempenhos muito influenciados pela economia norte-americana e pela política de juros do FED, dos juros e do crescimento do PIB, e muito menos pelas causas que o jornal paulista aponta, como déficit público do governo brasileiro e dívida pública do país, tradicionais receitas neoliberais para cumprir a meta de déficit zero e barrar o aumento de gastos via programas sociais, como o vale gás ou a Previdência. No entanto, nossa experiência prova que só com crescimento do PIB, com inflação dentro da meta, é que a dívida pública se estabiliza. O que não ocorre com política de crescimento de juros e corte de gastos ou aumento de impostos.


E, de certa forma, é isso que vem acontecendo com o crescimento de 9,15% da receita federal no primeiro semestre, graças ao esforço do governo e do ministro Fernando Haddad de, sem aumentar impostos, reduzir as desonerações e elisões fiscais (na verdade, sonegação), como o reestabelecimento do voto de desempate no CARF.


Por outro lado, os investimentos programados e em execução em vários setores estratégicos da economia – como óleo e gás (só da Petrobras são US$ 100 bilhões no próximo quadriênio, saneamento, setor portuário (R$ 75,9 bilhões, entre 2023-2026), energia (R$ 38,9 bilhões em energia solar em 2024 e R$ 7.9 em crédito de longo prazo para 23 projetos de geração de energia eólica) – seguem em frente mesmo com a persistência das altas taxas de juros e menor oferta de crédito subsidiado.

Políticas protecionistas


O Brasil, na verdade, não cresce mais e mais rápido pelos juros altos. O que é inacreditável num mundo onde todos os países, principalmente via orçamento público e subsídios, buscam soberania e segurança alimentar, energética e tecnológica; operam suas políticas monetárias, fiscais e cambial para proteger seus mercados e indústrias; subsidiam alimentos e energia, como fizeram e fazem todos os países da Europa para superar crises, como as de 2008/9, 2011/12, na pandemia e, agora, na Guerra da Ucrânia.


Frente à crise habitacional que atinge vários países europeus, Bruxelas anunciou nesse início de setembro o Plano Europeu de Casas Acessíveis. Sem falar na verdadeira guerra comercial e tecnológica aberta contra a China, situação em que, na prática, a OMC deixa de existir.


A sanha ideológica do jornal Folha de S. Paulo contra as empresas estatais brasileiras, bancos públicos e Petrobras, não encontra paralelo nos dias atuais. Só quem não sabe nada de história do Brasil pode ignorar o papel do Estado brasileiro no desenvolvimento do país em todos os seus setores relevantes e estratégicos. Até o setor financeiro privado teve que recorrer à mão forte do Estado para não quebrar em 1995, quando foi feito o PROER que custou aos cofres públicos R$ 16 bilhões à época.


O Brasil de hoje só existe pelo papel do Estado, desde a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional e da Chesf, a hidrelétrica de Paulo Afonso na Bahia, negociadas por Getúlio como moeda de troca para o país entrar na II GM ao lado dos aliados. Antes, na depressão de 1929 foi o Estado que salvou a cafeicultura brasileira e viabilizou a transferência de renda para a industrialização de São Paulo. Na década de 50, no segundo governo Vargas, foram criadas a Petrobras, a Vale e a Eletrobras e importantes órgãos do governo como o BNDES, a Camex e a Sumoc, criando as bases do Brasil atual.


Estava pronta a plataforma de lançamento para Juscelino Kubitschek construir Brasília, Furnas e Três Marias e lançar seu Plano de Metas que impulsionou a industrialização, os transportes, a agricultura, a energia e a educação. Jango Goulart, no curto período em que governou, fez o Plano Trienal de Celso Furtado e lançou suas reformas de base, até hoje atuais, e mesmo na ditadura, por mais liberal que fosse a dupla do arrocho Roberto Campos/ Octavio Bulhões, não chegava aos pés dos neoliberais de hoje e tinha seu Programa de Ação Econômica do Governo.


O ditador Médici fez seu Plano Nacional de Desenvolvimento, mas foi o general Ernesto Geisel que retomou a tradição de plano de desenvolvimento sob a liderança de Reis Veloso, enfrentando a segunda crise do petróleo, não com a austeridade, mas com a implantação da indústria de base e química no país e consolidação das estatais, particularmente da Petrobras.


Relembrar é viver. Em 1939, o Brasil teve a primeira tentativa de planejamento com o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional; depois, em 1943, o Plano de Obras e Equipamentos; e, em 1950, o famoso Plano Salte, Saúde, Alimentação, Transporte e Energia, isso em pleno governo ultraliberal do general Eurico Dutra, eleito em 1946 com apoio indireto de Getúlio Vargas então no exílio voluntário em São Borja.


Num mundo em guerra e profundas mudanças geopolíticas, pregar o Estado mínimo e a privatização a todo custo é ignorância ou má-fé. No caso da Folha, além de interesse econômico-financeiro, uma posição ideológica jurássica ultraliberal e que desconhece que somos uma potência cobiçada com condições históricas de alcançar o desenvolvimento que a China e a Índia perseguem.


Para isso, é necessário que o Estado nacional e sua elite empresarial – que ainda não renunciou ao Brasil como o fizeram os rentistas e os demais que compõem o séquito servil ao império – se unam para enfrentar os desafios do século XXI. Para jogar um papel relevante na geopolítica mundial desta e das próximas décadas, precisamos mudar nossa inserção na divisão internacional do trabalho com uma revolução social, científica e tecnológica.


Com a revolução social vamos redistribuir renda, riqueza e propriedade via uma reforma tributária e retomada da soberania financeira necessária para nosso desenvolvimento nacional antes que seja tarde, inclusive par dotar o Brasil de um poder militar que proteja o país e defenda sua soberania. Com a revolução científica e tecnológica, vamos investir no conhecimento e produção das tecnologias de ponta da atualidade, como a Inteligência artificial, para empresas brasileiras desenvolver sistemas que atendam as demandas sociais do país em saúde e educação, por exemplo, melhorem a produtividade de nossa indústria, gerem empregos qualificados e nos permitam competir no mercado externo em segmentos de mercado de alto valor agregado.


*José Dirceu foi ministro da Casa Civil no primeiro governo Lula. Autor, entre outros livros, de Memórias – Vol. 1 (Geração editorial). [https://amzn.to/3H7Ymaq]


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