Negacionismos para todos

Imagem: Petrit Halilaj
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JEAN MARC VON DER WEID*

Estamos diante do que parece ser o derradeiro argumento do negacionismo, a última linha de defesa do uso de energia fóssil: usar o petróleo para acabar com o uso do petróleo

1.

Está cada vez mais pesado o embate. De um lado, estão o Presidente Lula, os personagens mais influentes do PT e do ministério, os deputados e senadores do Amapá, inclusive o poderoso Davi Alcolumbre, o vice-rei do Centrão, boa parte da mídia e, é claro, a Petrobras, todos defendendo a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, que eles preferem chamar de Margem Equatorial. Do outro lado, estão a Ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Emergência Climática, o IBAMA e uma ampla frente de cientistas e de organizações ambientalistas da sociedade civil, apontando para os riscos ambientais dos inevitáveis derramamentos de petróleo que poderiam destruir ecossistemas marinhos frágeis e únicos.

Este debate gira entorno da avaliação de risco ambiental, que é atribuição exclusiva do IBAMA, na Constituição brasileira. Os críticos da proposta da Petrobras não deram nem uma palavra sobre o impacto do aumento do uso de combustíveis fósseis no já catastrófico processo de aquecimento global. Marina parece que esqueceu o novo nome do ministério que lidera, ao qual foi acrescentado o tema da Emergência Climática. No início do governo, Lula queria separar em dois organismos o Meio Ambiente, um ministério a ser entregue a Marina Silva, e Emergência Climática, uma secretaria especial vinculada à presidência, a ser entregue a Isabela Teixeira.

Marina Silva bateu-se para manter todos estes temas sob seu comando e, em tese, tinha razão e acabou ganhando. Seria difícil estes dois entes estatais não baterem cabeça e pisarem nos calos de uns e de outros, já que os temas estão altamente imbricados. Mas, neste caso da proposta da Petrobras, Marina Silva preferiu esquecer do impacto sobre a emergência climática, cujas políticas estão sob sua responsabilidade e esconder-se atrás do presidente e da equipe técnica do IBAMA, indicando que a decisão é científica e não política e que ela não vai intervir na decisão.

Os defensores da exploração de mais uma frente de expansão do uso de combustíveis fósseis vêm usando como argumento a necessidade de se usar este recurso que a providência nos agraciou para podermos financiar a transição energética para o uso de energia renovável. A ministra Marina Silva ou quem quer que seja do estafe do ministério não respondeu a este argumento, permitindo que o presidente afirme que “Marina é uma pessoa inteligente, ela não é contra a exploração de petróleo na Margem Equatorial”.

Quem se mexeu para responder ao presidente foram as organizações ambientalistas da sociedade civil, inclusive um bom número de renomados cientistas. O manifesto, divulgado há poucos dias, aponta para a falácia mais do que óbvia do argumento do presidente Lula. Apesar de ter defendido a ideia de uma transição energética a ser aplicada no Brasil no seu governo, até agora tudo que se viu foram os subsídios para o consumo de combustíveis fósseis e para os meios de transporte que os utilizam crescerem duas vezes mais do que os parcos subsídios destinados ao uso de energia “verde”.

Estamos diante do que parece ser o derradeiro argumento do negacionismo, a última linha de defesa do uso de energia fóssil: usar o petróleo para acabar com o uso do petróleo.

2.

Infelizmente, é preciso constatar que estamos muito longe de conseguir a necessária mobilização de todos os poderes para enfrentar a calamidade que já está se abatendo sobre a humanidade e sobre o planeta como um todo. Estamos mesmo dando passos para trás na percepção dos riscos e da urgência de se enfrentar agora e com radicalidade a emergência climática. A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos foi particularmente perniciosa por representar o nível mais primário do negacionismo, o que diz que “tudo isso é uma invenção dos inimigos da América”. Em outros lugares, como no Brasil do bolsonarismo, diz-se que se trata de um complô comunista.

É interessante notar que as grandes empresas petrolíferas vêm adotando desde 2008 uma postura mais prudente, tanto nas suas posições públicas quanto nas suas decisões de investimento. Algumas delas admitem a necessidade da transição energética e a substituição dos combustíveis fósseis por energia verde, eólica ou solar. E elas vêm investindo nesta direção ao mesmo tempo que estão praticamente paralisando os investimentos na procura de novos poços de petróleo.

A razão desta nova postura pode não ter nada a ver com uma compreensão sobre os males das emissões de gases de efeito estufa (GEE) provocados pelo uso de combustíveis fósseis. O mais provável é que estas empresas estejam calculando o tempo de duração das reservas atuais e o custo cada vez maior dos investimentos em pesquisa e exploração de novos poços. British Petróleo, Shell, Total e outras privadas estão no mercado para comprar poços ou empresas menores para se apossar de suas reservas. Este bloco também quer explorar as jazidas em seu poder até a última gota ou melhor, até o último dólar, mas está se preparando para a inevitável transição para energias alternativas, não porque estas emitam menos gases de efeito estufa, mas porque estão se tornando mais lucrativas.

Por outro lado, o bloco de países da OPEP segue intrépido na sua batalha contra qualquer restrição ao uso de combustíveis fósseis e afirmando um cego negacionismo, inclusive financiando um marketing pró petróleo. Neste campo o argumento é simplesmente desconhecer o tsunami de informações científicas e afirmar que o aquecimento é natural e sem relação com as emissões dos combustíveis fósseis.

Parte do negacionismo nacional (bolsonarismo) se compõe deste extremo que afirma a “naturalidade” do aquecimento global ou ainda a própria inexistência deste aquecimento. Há quem afirme que estamos entrando em uma nova era de gelo e não de aquecimento e que o calorão crescente é apenas conjuntural e até um aspecto positivo para mitigar uma suposta “tendência natural” para a queda de temperaturas. Os defensores deste cardápio negacionista se encontram em vários setores da sociedade, com forte presença no agronegócio. Mas a variante fatalista religiosa é ainda mais disseminada: há quem diga que “tudo isso” é “coisa de comunista” e que não existe aquecimento global e há quem diga que o aquecimento existe, mas que é a “vontade de Deus para punir os pecados dos homens”.

3.

Um outro tipo de negacionismo tem caráter político e pretende ocupar o lado esquerdo neste debate. Militantes de vários partidos de esquerda acreditam firmemente que a questão do aquecimento global não é mais do que uma “narrativa” produzida pelos países capitalistas do Norte para impedir o desenvolvimento das economias emergentes do Sul Global (a nossa em particular). O difícil é compatibilizar este discurso anti-imperialista e cerrar fileiras com as grandes empresas petrolíferas e os países produtores de petróleo como se eles estivessem defendendo o direito dos povos ao desenvolvimento.

No caso do presidente Lula e da maioria do seu governo e do seu partido, a narrativa veio se refinando e atualmente tem o seguinte conteúdo:

– Existe aquecimento global e a causa são as emissões de gases de efeito estufa, sobretudo combustíveis fósseis e desmatamento. Os culpados são o capitalismo e os países ricos e desenvolvidos.

– É preciso iniciar uma transição para substituir os combustíveis fósseis por energia “verde” (eólica, solar, hidráulica, nuclear, nitrogênio, biológica, outras).

– São necessários recursos para financiar esta transição energética e estes recursos serão conseguidos pela exploração do pré-sal na margem equatorial.

Esta posição tem um bocado de ambiguidades e imprecisões e a sua aplicação é altamente contraditória. Senão vejamos:

O primeiro ponto acima é consenso, embora o governo e o presidente não indiquem quem são os responsáveis por estas emissões de gases de efeito estufa aqui no Brasil. O governo cala, em particular, sobre o papel do agronegócio na contribuição brasileira para o aquecimento global, tanto nos desmatamentos e incêndios, como nas emissões diretas de metano e óxido nitroso pela agricultura e pecuária. Também não há, na posição governamental, o sentido de urgência da crise ambiental que já nos assola, que só aparece no novo nome do Ministério do Meio Ambiente, que incorporou também a Emergência Climática.

No segundo ponto, não encontramos dados concretos sobre o como esta transição deverá ser feita, nem sobre o ritmo que deve ser aplicado neste processo. Tudo que se sabe é pela prática das políticas públicas.

O governo subsidia a substituição de gasolina por álcool e diesel por biodiesel, sem que se tenha discutido os prós e contras destes combustíveis. Para quem estranha esta restrição a uma energia “verde”, lembro que nem tudo que é verde é sustentável e nem tudo que é natural é saudável. A produção de etanol e de biodiesel tem impactos ambientais importantes aqui e em outros lugares.

Na Indonésia, o governo alemão estimula a produção de biodiesel de palma para manter baixas as emissões de gases de efeito estufa na Europa, mas os desmatamentos resultantes na Ásia mais do que desequilibram a equação. Aqui no Brasil, a produção de etanol ocupou o quadrilátero oeste de São Paulo, leste do Mato Grosso, sul de Minas Gerais e norte do Paraná, deslocando culturas e criações, sobretudo soja e gado para o Cerrado e a Amazônia. Estes últimos empreendimentos provocam desmatamentos que anulam também as eventuais reduções de gases de efeito estufa de gasolina e diesel substituídos por produtos de origem vegetal.

O governo também está subsidiando a produção e utilização de painéis solares, apesar de sabotagens constantes no Congresso. O mesmo se pode dizer da energia eólica. Num e noutro caso não há um plano de desenvolvimento, apenas se deixa que as forças do mercado operem. O resultado é a instalação de “fazendas” de vento e de sol, com grande concentração da oferta de energia e o deslocamento de pequenos produtores rurais, sobretudo no Nordeste. Esta alternativa vai no sentido oposto de uma das principais vantagens destas tecnologias, a possibilidade de uma oferta de energia descentralizada em pequena escala com impactos ecológicos, econômicas e sociais positivos.

4.

O terceiro ponto é o mais polêmico. Mesmo supondo que os riscos ambientais detectados pelo IBAMA sejam contornados, fica a questão principal. Faz sentido explorar petróleo para substituir o petróleo?

Para começar, o investimento necessário para pesquisar a suposta bacia petrolífera da margem equatorial é muito alto. Em segundo lugar, o tempo de maturação deste investimento é de 8 a 12 anos, até que os primeiros barris de petróleo cheguem nas refinarias em volume comercial. Como vai estar o planeta em 2033/2037?

Se não tivermos zerado as emissões de gases de efeito estufa, realizando a transição energética para abandonarmos os combustíveis fósseis até 2035 e interrompido os desmatamentos e queimadas (entre outras medidas de menor impacto) estaremos no rumo de um aumento da temperatura média do planeta de 3º C! As implicações desta frase são gigantescas e vou começar por mostrar que este número não saiu de um filme futurista catastrofista.

Lembremos que a temperatura média da Terra subiu um grau celsius entre 1850/1900 e 2015 e mais 0,6º C entre 2015 e 2024. A aceleração foi gigantesca e anuncia que todos os prazos indicados pelos estudos científicos até agora estão fora da realidade. Desde logo, os últimos 4 meses viram o aumento de temperatura chegar a 1,75º C. Pode ser um pico conjuntural, fruto de um La Niña excepcionalmente fraco. Mas as causas podem ser mais estruturais e profundas.

Muitos cientistas estão avaliando que os mecanismos de retroalimentação do aquecimento, previstos para ocorrerem depois de 2030 e 2050 (segundo o tipo de fenômeno) e com a temperatura se elevando acima de 2º C, entraram em operação muito antes do esperado. A resultante desta aceleração inesperada é atingirmos os 2º C a mais na temperatura do planeta até o fim desta década.

É preciso lembrar que estes números encobrem uma realidade ainda mais tenebrosa. Todos os cientistas do IPCC estão conscientes (e lutando para levar esta consciência para os políticos e a opinião pública) de que já estamos condenados a um aumento de 2º C na temperatura média do planeta. Isto se dá porque há uma diferença no tempo (delay) entre o momento em que os GEE chegam na atmosfera e o seu efeito na temperatura de mares e continentes.

Com a quantidade de gases de efeito estufa que já está na atmosfera, os 2º C a mais estão garantidos. Pensava-se que esta temperatura chamada de ponto limite chegaria por volta de 2040, e os 1,5º C por volta de 2030. A urgência de segurar as emissões de gases de efeito estufa o mais rapidamente possível é para evitar que ultrapassemos os 2º C. E, como já dito antes, já estamos no caminho de alcançar este limite nos próximos anos, antes mesmo de 2030. Se não estancarmos a geração de gases de efeito estufa estaremos entrando na próxima década com a temperatura subindo na direção dos 3º C.

É a não compreensão da gravidade e urgência da ameaça do aquecimento global que caracteriza o negacionismo do governo Lula, do PT e da esquerda brasileira. Todas as decisões ignoram a aceleração do aquecimento, e ignoram os seus impactos já visíveis e sensíveis. O governo age como se as condições atuais poderão seguir mais ou menos as mesmas e se recusa a pensar em prazos mais largos do que as próximas eleições, dois anos.

Como o quadro do aquecimento global é complexo e enfrentá-lo tem baixa adesão como tema político eleitoral, Lula prefere ceder ao negacionismo (ou ele mesmo acha que “tudo vai ficar como dantes no quartel de Abrantes”). Dá na mesma se Lula cede aos interesses de Alcolumbre, da indústria automobilística, do agronegócio ou se ele mesmo acredita na narrativa da necessidade de explorar petróleo para deixar de usar petróleo: o resultado é catastrófico para o Brasil e para o mundo.

5.

Neste quadro, qual o sentido de explorar o petróleo na margem equatorial? Aliás, qual o sentido de explorar energia fóssil em qualquer lugar?

Se cometermos a insanidade de insistirmos nesta empreitada chegaremos ao momento de extrair petróleo na costa do Amapá com um mundo no caos ou com o mundo deixando de usar petróleo. Em um ou outro caso vai ser um investimento perdido.

Muitos dos meus amigos argumentam que “os outros” seguem explorando petróleo e até carvão e isto justificaria que fizéssemos o mesmo. É como se os passageiros do Titanic decidissem em uníssono aumentar a velocidade do navio na direção do iceberg que o afundou. Metáforas a parte, há diferenças nesta postura negacionista, como já apontei anteriormente. Há pouco investimento em pesquisa de novas jazidas pelos imensos custos e parcos resultados. O que os donos das jazidas que já estão em exploração querem é explorar as reservas que dispõe até o máximo limite. Mas este não é o caso da Petrobras, nesta proposta de explorar uma nova jazida na Margem Equatorial.

Em vez de usar imensos recursos da Petrobras (3 a 5 bilhões de dólares) e do BNDES para este mergulho no passado dos tempos ilusórios do “ouro negro”, temos que investir na transição energética.

Para começar, seria preciso que o governo abandonasse a política de subsidiar a indústria automobilística. É uma discussão mais ampla que não cabe aqui, mas não basta trocar carro a diesel ou gasolina por carro elétrico. Isto é só uma parte da mudança. Necessária, mas não a principal. O mais importante é substituir nas áreas urbanas o modal de transporte individual por automóveis por um modal de transporte coletivo por ônibus, metrô e trem. Individual só bicicletas ou necessidades especiais. No transporte de cargas vai ser preciso outra mudança radical de modal, de caminhões para trens, hidrovias e cabotagem. E diminuir muito o transporte aéreo.

O que está em curso no Brasil de Lula III é o oposto e a consequência é o aumento das emissões de gases de efeito estufa.

E para acelerar o abandono do combustível fóssil, o primeiro passo é retirar todos os subsídios que o tornam artificialmente mais barato. O governo não quer nem ouvir falar nisso e vive pressionando a Petrobras para segurar os preços. O aquecimento global agradece.

Vai ser preciso por datas para as diferentes medidas, lembrando que a meta de emissões zero vai ter que ser antecipada para 2030. Ampliar a difusão do uso de placas solares e de moinhos de vento para geração local é um passo importante a ser adotado. Painéis solares nos tetos de edifícios pode não ser elegante, mas é menos caro e complicado do que criar imensas fazendas de vento e de sol, embora não se devem descartar estas opções, dependendo da situação. Por outro lado, o plano deverá incluir a desativação das usinas térmicas de geração de eletricidade, em primeiro lugar as de carvão.

Mas se a maior contribuição do Brasil para o aquecimento global está nos desmatamentos e queimadas (70% das nossas emissões de gases de efeito estufa) o nosso maior esforço deveria estar na direção de controlar estes crimes.

O governo tenta fazer uma separação entre desmatamento e incêndios criminosos e a ação do agronegócio, mas a verdade é que os dois movimentos estão imbricados intrinsecamente. As empresas do agronegócio de carne bovina compram bois criados em áreas desmatadas, depois de passarem uma última temporada engordando em fazendas cujo desmatamento foi mais antigo. Plantações de soja também se fazem em áreas desmatadas na Amazônia e no Cerrado. O controle do gado, definindo onde nasceu, cresceu e foi engordada a res abatida é algo que hoje é banal: é só botar um dispositivo eletrônico na orelha do bicho ao nascer e toda a sua história e deslocamentos ficam registrados. Há projetos de lei no Congresso há mais de 15 anos, tornando o rastreamento das reses obrigatório, mas a bancada ruralista não deixa progredir.

Este rastreamento foi exigido na União Europeia, para todos os produtos oriundos de zonas de desmatamento posteriores a 2020 e esta lei já foi votada em todos os Estados membro da EU, devendo entrar em vigor no ano que vem. A data fatal era janeiro deste ano, mas o governo Lula conseguiu o adiamento da aplicação da exigência enquanto negocia com a burocracia de Bruxelas. Apoiar o bloqueio do agronegócio ao acordo Mercosul/UE e não pressionar o Congresso para não ter que enfrentar a resistência da bancada ruralista é renunciar ao controle da grilagem, do desmatamento e das queimadas.

O governo trombeteou a redução do desmatamento na Amazônia em 2023, esquecendo duas coisas: o aumento nos outros biomas, em particular no Cerrado (e mais ainda no MATOPIBA) e o incrível aumento das queimadas em toda parte, mas sobretudo na Amazônia.

O governo já sabe que a grilagem na Amazônia mudou de tática e está queimando a floresta em pé. Isto ocorreu devido ao aumento da capacidade de controle do INPE para identificar em tempo real quem está desmatando e onde. Por outro lado, se o IBAMA consegue saber pelo INPE quem são os desmatadores, a falta de pessoal e equipamento de deslocamento rápido evita os flagrantes e dificulta os processos. Mas os grileiros preferem agora queimar a floresta em pé, muito mais difícil de fiscalizar. Queimar uma floresta tropical úmida tornou-se possível dada a secura crescente e o aumento das temperaturas. A verdade é que sem o rastreamento vai ser difícil segurar desmatamento e queimadas e, portanto, o grosso das nossas contribuições de GEE para o aquecimento global.

6.

Para terminar, embora eu ache que o problema maior está na exploração de petróleo em si e menos do local onde ela pretende se dar, não deixa de me parecer escandaloso o presidente acusar o IBAMA de lenga-lenga e constranger a ministra Marina Silva, pressionando pela liberação da área. Na campanha eleitoral Lula atacou Jair Bolsonaro por fazer exatamente a mesma coisa com exatamente o mesmo objetivo.

Marina Silva já devia saber que os argumentos que Lula usou para atrai-la para a campanha e para o governo eram para “inglês ver”. Ela já tinha tido várias experiências amargas no primeiro governo de Lula, onde entrou como heroína e saiu como enjeitada. Como há 20 anos, Marina Silva entrou no Ministério do Meio Ambiente propondo um ministério “transversal”, incidindo sobre o conjunto das políticas públicas para garantir um foco sustentável no desenvolvimento.

Naqueles idos, como agora, era bom demais para ser verdade e Marina Silva foi desinflando desde o primeiro dia até virar um estorvo para os planos desenvolvimentistas (nada sustentáveis) do presidente e do PT. Ela engoliu sapos cururus em profusão e ainda assistiu o governo propor uma lei de biossegurança que tirava do IBAMA e da ANVISA a responsabilidade constitucional de aprovar a introdução de organismos exóticos nos ecossistemas brasileiros. Lula e o PT fizeram o que FHC não ousou, abriram as portas para a introdução de plantas transgênicas no Brasil, tudo para agradar o agronegócio.

Agora Lula está de novo peitando o IBAMA e constrangendo Marina Silva, tudo para garantir a exploração de petróleo em ecossistemas sensíveis e contra a necessidade de se deter o uso de combustíveis fósseis. Mais ainda, o presidente levou o Brasil a aderir à OPEP+, o reduto dos negacionistas mais ferrenhos, esquecendo a sua pretenção de liderança internacional pela “economia verde” a ser consagrada na COP30 em novembro próximo.

Frente à urgência da crise ambiental e a aceleração do aquecimento global, o presidente está ignorando muito mais do que as previsões dos relatórios do IPCC. As catástrofes já vêm se abatendo sobre todo o mundo e sobre o Brasil: ondas de calor cada vez mais intensas e prolongadas, secas e inundações que se sucedem em recordes vencidos a cada ano, multiplicação de pragas na agricultura e de vírus na saúde humana, incêndios de florestas cada vez mais amplos e avassaladores.

Tudo isto se divulga a cada dia, mês e ano, sem descanso. O apocalipse ambiental já chegou, estamos apenas no começo da curva. O que resta a fazer é tomar as medidas para reduzir os danos futuros e conservar uma parte habitável no planeta para nossos filhos e netos.

Neste quadro, é ridículo e trágico continuar a explorar petróleo sob pretexto de “beneficiar o povo”, ignorando as sinistras ameaças a este mesmo povo e seus descendentes imediatos, oriundas do emprego desta chamada “riqueza salvadora”.

*Jean Marc von der Weid é ex-presidente da UNE (1969-71). Fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia (ASTA).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Byung-Chul Han – o filósofo fast-food
04 Mar 2025Por CARLOS EDUARDO ARAÚJO: A obra de Byung-Chul Han, ao envernizar sua mensagem com retórica sedutora, transforma-se num produto de consumo cultural que, embora pareça crítico, reforça as lógicas de dominação e exploração
Por que não acato as rotinas pedagógicas
12 Mar 2025Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: O governo do Espírito Santo trata a escola tal qual uma empresa, além de adotar roteiros predeterminados, com matérias postas em “sequência” sem consideração pelo trabalho intelectual em forma de planejamento docente
O assalto a Moscou – a Europa tenta novamente
14 Mar 2025Por GILBERTO LOPES: Como em 1938, os exércitos da Europa estão de novo apontando para Moscou, a ponto de comemorem o rearmamento da Alemanha, esquecendo das consequências do rearmamento alemão para o mundo no século passado
O fantástico na literatura – um breviário
05 Mar 2025Por RICARDO IANNACE: Uma incursão por tramas canônicas, graças às quais o fantástico, perto de alcançar três séculos, se faz conhecido e explorado
Laíla ainda está aqui
11 Mar 2025Por LICIO MONTEIRO: Ali na avenida a Beija Flor produziu um momento para, enfim, se despedir de Laíla de forma digna e com a gratidão que merecia. Enquanto as demais escolas contavam um enredo, a Beija Flor estava desfilando o próprio enredo
Hollywood, o altar que nos define
07 Mar 2025Por EUGÊNIO BUCCI: Fernanda Torres não ganhou, mas ela é a maior de todas. Nada é maior que Hollywood, nada é maior que o Oscar. Nada, só Fernanda Torres
Um governo sem marca
09 Mar 2025Por LISZT VIEIRA: Em nome da governabilidade, a esquerda acaba indo a reboque da direita. Ou isso muda e voltamos a despertar a esperança no povo, ou caminharemos para uma derrota na próxima eleição presidencial
Flow
08 Mar 2025Por ANNATERESA FABRIS: Considerações sobre o filme de Gints Zilbalodis, em exibição nos cinemas.
Miriam Chnaiderman e Tania Rivera
13 Mar 2025Por TALES AB´SÁBER: Considerações sobre os livros de Miriam Chnaiderman e de Tania Rivera
O império contra o universo
06 Mar 2025Por GILBERTO MARINGONI & DENISE LOBATO GENTIL: Qual o sentido das aparentemente caóticas iniciativas deste início do governo Trump II?
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES