Por CARLA TEIXEIRA*
As eleições de 2022 estão apontando para reafirmar as nossa cultura política de conciliação/acomodação e personalismo
Dizem por aí que o PT quer imitar Jesus e fazer milagres. Cristo ressuscitou Lázaro de Betânia quatro dias depois de falecido. Lula afirmou que quer fazer mais e melhor, então decidiu ressuscitar Geraldo Alckmin de Pindamonhangaba para ser seu vice, um cadáver político malcheiroso que há quatro anos amargou 4% dos votos nas eleições presidenciais de 2018. Relembrar é viver: o ex-governador de São Paulo era o nome preferido da burguesia que, diante de seu desempenho eleitoral medíocre, acabou tapando o nariz e apoiando Bolsonaro.
Os adeptos dessa saída garantem que atrair integrantes da direita para a composição de chapa presidencial é essencial não apenas para derrotar o bolsonarismo, mas também o neoliberalismo implantado através do golpe de 2016. Alckmin seria o nome ideal por representar o tucanato social-democrata histórico e ter trânsito nos setores da direita (mercado financeiro, agronegócio e outros que exploram diuturnamente nossa terra e nosso povo). Seria uma reedição da “Carta aos brasileiros” sabor Picolé de Chuchu Paulista.
Para além da questão nacional, o quadro internacional nunca foi tão instável. A disputa instalada por Rússia e China contra a dominação imperialista estadunidense eleva os ânimos numa guerra fria que promete ser quente. Nesse contexto, a América Latina se torna alvo preferencial de dominação dos Estados Unidos, cujo atual presidente definiu a função ao afirmar que “Tudo ao sul do México é o nosso jardim”.
A essa altura dos acontecimentos, todos sabemos sobre o papel dos EUA na operação Lava Jato e na desestabilização que facilitou o golpe de 2016. O próprio Lula entendeu, após mais de 580 dias preso, que imperialismo não é palavrão de comunista, mas a ação contundente da dominação nociva e parasita de uma nação capitalista sobre o restante do mundo.
O Brasil, em específico, é alvo estratégico por se tratar do maior país da América Latina, o mais rico, o maior produtor de alimentos, com enorme capacidade energética, recursos hídricos e aquele que, se independente, poderia impulsionar a emancipação de todo o continente. Ao mesmo tempo em que faz acordo com a burguesia, Lula também promete retomar a Petrobrás e desfazer as reformas neoliberais que destruíram o emprego e a renda no Brasil. Conciliador e anti-imperialista.
Na economia, Lula vem costurando um quadro de mercado contando com um concerto de nações que certamente irão favorecer a recuperação do país arrasado pela destruição bolsonarista. Isso poderá alavancar a retomada em todo o continente, reforçada com o anúncio de que a Argentina pretende compor o banco dos BRICS enquanto o presidente da China afirmava que “As Malvinas são argentinas”. Em hipótese, a vitória de Lula significará não só o fortalecimento da América Latina soberana, mas o avanço da presença chinesa e russa no continente. E isso, não nos iludamos, o imperialismo não irá permitir tão fácil.
Nos anos 1970, Juscelino Kubitschek era uma das principais lideranças políticas e populares de seu tempo com condições de comandar um projeto de soberania para o Brasil. Como mostrou a Comissão da Verdade do Estado de S. Paulo e pesquisa conduzida pela USP, a ditadura militar, financiada pelos EUA, assassinou o ex-presidente JK através da Operação Para-Sar, Operação Condor e Operação Código 12 (código utilizado para eliminar oponentes fazendo parecer morte por acidente). Por que não fariam o mesmo de novo?
O ex-presidente e atual pré-candidato diz que dorme tranquilo, sem pensar nisso, mas todos nós temos a obrigação de pensar. O PT tem a obrigação de pensar. Fidel Castro, o líder da Revolução Cubana, sofreu dezenas de atentados por parte da CIA. E se algo acontecer com Lula, é o Alckmin que assume? Ao assumir, ele vai manter a política anti-imperialista e anti-neoliberal ou se renderá às suas origens ideológicas de classe? É realmente seguro (política e fisicamente) para o presidente Lula ter na linha de sucessão o candidato dos sonhos daqueles que deram o golpe em 2016 e apoiaram sua prisão ilegal em 2018?
Há quem diga que considerar a ideia de que qualquer tragédia possa acontecer com Lula é trabalhar sobre o imponderável. Eu chamo de trabalhar a partir de fatos históricos que marcam e caracterizam a nossa construção cultural e sociopolítica ao longo dos séculos. As eleições de 2022 estão apontando para reafirmar as nossas culturas políticas de conciliação/acomodação e personalismo. A figura de Lula, central para a reconstrução do país, poderá também tornar-se um labirinto de onde as forças políticas de esquerda não saberão como sair em sua ausência.
Fato é que, sem Lula, não há qualquer possibilidade de vencer o golpe de 2016, cujo vice teve papel decisivo para o sucesso, e a agenda neoliberal implementada na sequência. A mobilização popular será essencial para desfazer as reformas, retomar as empresas estatais estratégicas e o investimento público. A reforma política, assim como a reforma do poder Judiciário, a redefinição do papel das Forças Armadas, a democratização da mídia e o fortalecimento das ações sociais do Estado são pontos fundamentais e complexos que não poderão ser resolvidos com aprovações de PECs.
No arranjo em curso, não se pode admitir que a vice-presidência da república se torne a antessala do golpe de Estado contra o projeto de emancipação do Brasil. As eleições de 2022 deverão ser o espaço de mobilização e de formação da consciência das massas sobre a necessidade de mudanças profundas e estruturais em nosso país.
Vencer em outubro poderá significar o primeiro passo rumo à porta de entrada que conduzirá a nação a uma Assembleia Nacional Constituinte – esta sim, verdadeiramente livre e exclusiva –, com o protagonismo do povo: nossa porta de saída para consolidar a democracia e a soberania do Brasil e de toda a América Latina.
*Carla Teixeira é doutoranda em história na UFMG.