Por JULIAN RODRIGUES*
É o povo na rua que muda a correlação de forças, bloqueia o golpismo e sustenta as mudanças
Nem mesmo o coraçãozinho mais gélido deixou de se enlevar ao ver aquela multidão na Plaza de Mayo celebrando a democracia e os direitos humanos. Um mega ato político convocado diretamente pelo presidente Alberto Fernández e por sua vice Cristina Kirchner.
Lula foi à Argentina agradecer à solidariedade que recebeu daquele povo, e especialmente de Alberto Fernández, que, mesmo em meio à campanha presidencial, fez questão de vir ao Brasil visitá-lo no cárcere.
A situação econômica e o cenário político argentino não são um mar de rosas. Os peronistas perderam a maioria no Senado, há ruídos na relação entre o presidente e a vice, entre outros problemas.
Entretanto a tradição de mobilização e intensa politização instigada pelos líderes políticos progressistas segue viva e forte na Argentina. Lá, a esquerda não tem se posto a cultivar ilusões sobre a natureza dos meios de comunicação ou sobre suposta “neutralidade” do Judiciário.
Depois do comício gigante de sexta, no dia seguinte Lula degustou um belo asado, ganhou quadro com o rosto de Evita e tricotou longamente com Cristina ( e outro de seu núcleo duro ideológico representantes de – La Cámpora). Aliás se a grande mídia brasileña não fosse tão rudimentar teria noticiado e buscado analisar tal almoço.
O fato é que mesmo com suas diferenças e complexidades, a esquerda argentina de conjunto não foge dos confrontos político-ideológicos. Chama as pessoas não só para votar, mas também para apoiar ativamente suas propostas e seus governos.
Olhando agora para outro país vizinho, a Bolívia. Foi praticamente ignorada nos meios de comunicação a mega marcha popular que aconteceu entre 22 e 29 de novembro.
Evo Morales e o MAS (Movimento ao Socialismo) lideraram uma gigante mobilização com o apoio e – para apoiar – o presidente Luis Arce. Multidões se deslocaram à capital em repúdio à elite golpista, blindando o governo Arce.
Foi uma resposta massiva, reação estrondosa às ameaças da direita boliviana que continua agindo incessantemente, tentando derrubar o governo popular.
Mas o que tem a ver o comício peronista do Lula na Argentina com a marcha dos indígenas e camponeses bolivianos?
Malgradas enormes diferenças histórico-sociais entre as esquerdas argentina e boliviana a estratégia que tem sido vitoriosa (sem citar a Venezuela), passa por apostar na mobilização do povo – não recuar nos embates político-ideológicos .
No Brasil, durante os oito anos de Lula e os cinco de Dilma, nem o governo federal nem o PT cogitaram incluir o povo em movimento na equação política. A governabilidade viria apenas das vitórias eleitorais e posteriores arranjos com parlamentares, partidos e alguns setores da burguesia.
Para não faltar com o rigor histórico, no auge da crise de 2005, Lula insinuou/advertiu – uma única vez – que poderia vir a convocar as massas à ruas em defesa de seu mandato. Foi o suficiente para a turma do andar de cima arrefecer seu ímpeto golpista
Considerando o avanço do neofascismo em todo o mundo, a força do bolsonarismo neoliberal no Brasil e as experiências recentes dos nossos vizinhos, não seria o momento de o PT realinhar a tática, o programa, a estratégia e a própria noção de governabilidade de um provável governo Lula?
Estamos em 2002 ou em 2022? Será que a maldição dos Bourbons nos persegue ( o PT nada esquece mas também nada aprende?)
Basta para vencermos as eleições, publicarmos nova “carta aos brasileiros” – sinalizando moderação e firmando compromissos com os dogmas neoliberais? Alckmin vice cumpriria o papel de “acalmar os mercados”, rigidamente circunscrevendo os limites de novo governo Lula?
Embora tentadora, mera repetição do que já foi feito é certeza de insucesso. Levamos um golpe, né? Seguir os mesmos velhos caminhos conhecidos, aparentemente mais curtos e simples só nos levará a um novo fracasso.
“Erros novos, erros novos, por favor”
Ignoremos por um segundo a questão do vice, das alianças ou pormenores do programa. Como sustentaremos o governo Lula? Quais caminhos percorrer para neutralizar a ofensiva da direita e manter o povão do nosso lado? Como implantar nossas propostas?
O desafio dessa nova governabilidade passa por ampliar táticas e diversificar operações, começando pela comunicação, que deve passar por uma revolução completa. Além disso, será necessário incorporar à estratégia lulista/petista o engajamento das massas – que se tornarão suporte efetivo e polo dinâmico do futuro governo.
As coisas andam muito ruins, sabemos. No quadro presente, qualquer mudançazinha para melhor vai demandar muita luta social, firmeza ideológica e capacidade de comunicação.
Garantir as condições para Lula governar radicalizando a democracia e implementando reformas estruturais passa por fortalecer não só a organização nos territórios mas também a mobilização permanente dos de baixo.
Chamar o povo! Lula não pode cair na tentação de fazer acordos eleitorais “mágicos” com gente sem voto do lado de lá. Seria um fator de confusão e desmobilização. Em todos os momentos, mas especialmente na hora do aperto, Lula deve levar em conta os ensinamentos de nossos hermanos: é o povo na rua que muda a correlação de forças, bloqueia o golpismo e sustenta as mudanças.
*Julian Rodrigues é jornalista, professor e ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos.