As tarefas de Lula

El Lissitzky, Novo Homem, 1923
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por TARSO GENRO*

Moderação, reforma e revolução, estão fundidas hoje na figura de Lula

Depois do Chile: no Ano Novo, eleger Lula é dever político e moral com os semelhantes. É a partir da sua vitória que vamos remover as carcaças do mal instaladas, tanto pelos ingênuos, como pelos falsos enganados da História.

Esta tarefa é concreta e presente, pois a era Bolsonaro deixa um cometa de mentiras e fome, uma galáxia de ódio disseminado na vida comum e uma decomposição moral e política do Estado Brasileiro sem precedentes, além de desnudar o caráter de pessoas que nos pareciam normais e revelar o profundo ódio de classe, contido no consciente e no inconsciente de parcelas significativas da sociedade brasileira. O clímax desta tragédia histórica é a ampliação da canalhice, indiferente à vida das crianças do Brasil, com o atraso da sua vacinação em massa. Quem não se indigna com isso não merece respeito, nem ser nomeado como mero “adversário.”

“Sempre que folheava livros de estética, tinha a desconfortável sensação de estar lendo obras de astrônomos que nunca contemplavam as estrelas”. O aforismo de Borges, na sua conferência “O enigma da poesia”, sempre me faz lembrar que muita gente como nós, ao tentar decifrar a realidade política, para compreendê-la e dar-lhe algum sentido (quando buscamos conforto nas grandes cabeças políticas da Humanidade), ficamos com a sensação revelada por Borges, sobre os estetas: parecemos astrônomos que nunca observaram as estrelas e assim deixamos de vê-las como presente.

O grande enigma do intérprete militante da política é sempre o mesmo: o que devo dizer para quem está formando opinião e quais as palavras que devo usar. para agregar em torno do principal, não me desvincular de quem já concorda comigo, pois a política não deve ser um “jogo de soma zero”? Diferentemente do erro – no texto analítico de um poema – (ou da poesia como gênero) quando ficamos bloqueados num movimento da política, não podemos simplesmente resolver a questão com uma metáfora brilhante. As boas análises poéticas podem ser valorizadas por metáforas, mas as boas interpretações da política raramente o são.

As metáforas políticas nos grandes momentos da História podem se tornar tão infames como algumas alegações de arrependimento posterior, na beira do abismo, à beira do inferno. Mesmo que todos tenham ouvido “ele” dizer que veio para “matar” e “destruir”, um intérprete pode dizer – com toda a sua dignidade calhorda – que “foi enganado”. Ele não diz que “quis ser enganado” e que supunha ter alguma contrapartida a algum desejo seu, que supostamente deveria ser satisfeito: os “enganados” na política são vítimas da razão, no seu lado perverso, pois ela suprime da política a urgência da paixão e a poesia, para nos aproximar de uma utopia, mais (ou menos) possível.

Prossigo com Borges. Ele me lembra também que os estetas avaliavam a poesia como se ela fosse uma “tarefa” e “não o que é em realidade, uma paixão e um prazer!” É possível, assim, trazer Borges para os limites tépidos que às vezes separam a poesia e a política: a política feita com paixão e prazer tem mais possibilidades de dar certo do que a política cumprida como tarefa pura da razão. A política que sempre me interessou sempre foi aquela que poderia ser, ao mesmo tempo racional e fundar-se no instinto e no compromisso. Nunca me seduziram as interpretações puramente economicistas da política, nem aquelas que erguem muros irremovíveis entre adversários de boa fé.

Apoio Lula, não porque ele seja o único capaz de mudar o Brasil, que tem Haddad, Boulos, Dino , Marina, Requião, como teve Covas e Brizola e outros tantos nomes dignos, mas que por uma razão política e moral conjugo com o seguinte percurso “interpretativo”, originário de como vejo meus semelhantes: só pode criar no povo motivações para mudanças radicais na produção e no modo de vida, quem – tendo condições de vencer a eleição – diz claramente que vai salvar vidas de crianças, porque vai combater a fome, porque que vai levar os jovens e as crianças para escola e também ensejar que as famílias se alimentem três vezes ao dia. E logo!

O que decorre desta proposta são tarefas gigantescas de política externa, segurança, soberania nacional, recomposição das funções públicas do Estado, brutalmente maculadas pelo fascismo, políticas sociais e culturais de disseminação da solidariedade e da busca de caminhos para a emancipação. São tarefas que não dependem apenas de uma eleição, mas de um complexo processo de mudanças tecnológicas, nas relações entre as classes sociais, dos indivíduos entre si e destes com a natureza. Moderação, reforma e revolução, estão fundidas hoje na figura de Lula, pois é a partir da sua vitória que vamos remover as carcaças do mal instaladas, tanto pelos ingênuos, como pelos falsos enganados da História recente.

*Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
João Carlos Salles Ricardo Abramovay Flávio Aguiar Dennis Oliveira Bento Prado Jr. Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Paulo Martins Eugênio Trivinho Paulo Nogueira Batista Jr João Feres Júnior Marilena Chauí Celso Frederico Kátia Gerab Baggio Leonardo Avritzer José Dirceu Fábio Konder Comparato Ronald León Núñez Manchetômetro Luiz Carlos Bresser-Pereira Michel Goulart da Silva José Costa Júnior Lincoln Secco Marilia Pacheco Fiorillo Francisco de Oliveira Barros Júnior Fernando Nogueira da Costa Gerson Almeida Gilberto Lopes Manuel Domingos Neto Yuri Martins-Fontes José Machado Moita Neto Jean Pierre Chauvin José Geraldo Couto Luiz Roberto Alves Marcelo Módolo Matheus Silveira de Souza Chico Whitaker Gilberto Maringoni Thomas Piketty José Raimundo Trindade Gabriel Cohn Luciano Nascimento Julian Rodrigues Tarso Genro Salem Nasser Dênis de Moraes Vinício Carrilho Martinez Jorge Luiz Souto Maior Valerio Arcary Igor Felippe Santos Osvaldo Coggiola Priscila Figueiredo Elias Jabbour Everaldo de Oliveira Andrade Remy José Fontana João Carlos Loebens Andrés del Río Flávio R. Kothe Luiz Werneck Vianna Daniel Brazil Daniel Costa Rodrigo de Faria Ricardo Fabbrini Marcus Ianoni José Luís Fiori Caio Bugiato Mário Maestri Eleonora Albano Juarez Guimarães Samuel Kilsztajn Francisco Pereira de Farias Eduardo Borges Carlos Tautz Luís Fernando Vitagliano Michael Löwy Mariarosaria Fabris André Márcio Neves Soares Renato Dagnino Tadeu Valadares Bernardo Ricupero Denilson Cordeiro Maria Rita Kehl André Singer Bruno Machado José Micaelson Lacerda Morais Francisco Fernandes Ladeira Chico Alencar Paulo Fernandes Silveira Antônio Sales Rios Neto Atilio A. Boron Rafael R. Ioris Celso Favaretto Paulo Capel Narvai Bruno Fabricio Alcebino da Silva Walnice Nogueira Galvão Otaviano Helene Fernão Pessoa Ramos Lorenzo Vitral Jean Marc Von Der Weid Henri Acselrad Alexandre de Lima Castro Tranjan Paulo Sérgio Pinheiro Leda Maria Paulani Vladimir Safatle Michael Roberts Luiz Bernardo Pericás Marcelo Guimarães Lima Jorge Branco Ari Marcelo Solon Vanderlei Tenório Andrew Korybko Luis Felipe Miguel João Paulo Ayub Fonseca Érico Andrade Claudio Katz Carla Teixeira Plínio de Arruda Sampaio Jr. João Adolfo Hansen Slavoj Žižek Luiz Eduardo Soares Anselm Jappe Annateresa Fabris Tales Ab'Sáber Eleutério F. S. Prado Alysson Leandro Mascaro Marcos Aurélio da Silva Daniel Afonso da Silva Sergio Amadeu da Silveira Alexandre Aragão de Albuquerque Marjorie C. Marona Valerio Arcary Armando Boito Eugênio Bucci Leonardo Boff Ladislau Dowbor Lucas Fiaschetti Estevez Ricardo Antunes Liszt Vieira Leonardo Sacramento Sandra Bitencourt Ronaldo Tadeu de Souza Boaventura de Sousa Santos Milton Pinheiro Luiz Renato Martins Alexandre de Freitas Barbosa Ricardo Musse Eliziário Andrade Afrânio Catani Rubens Pinto Lyra Antonio Martins João Lanari Bo Benicio Viero Schmidt Berenice Bento Luiz Marques Henry Burnett Heraldo Campos Antonino Infranca Marcos Silva Ronald Rocha João Sette Whitaker Ferreira Airton Paschoa

NOVAS PUBLICAÇÕES