Retornar a Sun Tzu

Dora Logo Bahia, Revoluções (projeto para calendário), 2016 Acrílica, caneta à base de água e aquarela sobre papel (12 peças) 23 x 30.5 cm cada
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Por RAUL ZIBECHI*

Focar na tomada ou ocupação do Estado é o caminho do fracasso porque volta a legitimar a ordem que se pretende combater

Em períodos de tempestade sistêmica é necessário ter uma estratégia clara e definida. Caso contrário, o naufrágio é quase inevitável. Talvez seja por isso que muitos de nós voltamos a conhecimentos como o encarnado por Sun Tzu, um militar, estrategista e filósofo da China antiga, que resume seus ensinamentos no livro A Arte da Guerra, que inspirou várias gerações de revolucionários.

Retornar a Sun Tzu nestes tempos é duplamente importante para aqueles de nós que querem derrotar o capitalismo sem se envolver nos horrores das guerras, que caracterizaram a ascensão dos impérios e do sistema mundial atual. E que podem ser a marca registrada de sua queda.

Um de seus conceitos mais notáveis ​​diz: “um exército vitorioso vence primeiro e luta depois; um exército derrotado luta primeiro e tenta a vitória depois”.

Do ponto de vista das comunidades em movimento, e dos povos indígenas maias e nasa em particular, isso significa, acredito: vencemos porque aqui estamos, sobrevivemos às tentativas de desaparecer como povos. Não era esse o objetivo das classes dominantes desde a Conquista? Não é esse o objetivo da guerra contra as drogas e de empreendimentos como o Trem Maia(1)?

Para os povos oprimidos, o conceito de vitória não é militar, não está relacionado com a morte, mas com a vida. Continuar sendo povos, continuar construindo novos mundos porque, como aponta a afirmação “Uma montanha em alto mar”, do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), não se trata de retornar a um passado supostamente maravilhoso, como o império asteca, construído às custas do sangue de seus semelhantes.

Continuar a ser é continuar a resistir, não é voltar atrás, mas construir o novo. Esta é a vitória dos zapatistas, nasa/misak, mapuche, wampis e tantos outros povos.

É preciso dizer tudo: pensei que o que os PeñaNietos e os Pinochets não conseguiram da maneira mais difícil poderia ser alcançado através do desenvolvimento e das políticas sociais dos Mujica e dos Correa (acrescentem os nomes que considerem adequados, em cada geografia). Erro. Os povos estão conseguindo superar as diversas formas de gestão do modelo extrativista neoliberal em curso ou a quarta guerra mundial, como o denomina o EZLN.

A frase notável de Sun Tzu vem à tona quando vemos que alguns povos conseguiram passar, apesar da dor e do sangue, tanto pela administração conservadora quanto a do modelo progressista. O que nos diz que as batalhas que eles travam agora são frutos de sua vitória estratégica.

Sobre a relação entre estratégia e tática, a Sun Tzu é atribuída uma frase que, segundo especialistas não consta de seu livro, diz: “estratégia sem tática é o caminho mais lento para a vitória. A tática sem estratégia é barulho antes da derrota”.

A meu ver, grandes obras de infraestrutura, como a brutal barragem de Belo Monte, no Brasil, que destrói as fontes de vida de povos inteiros; a megamineração em todo o continente; o próprio Trem Maia ou o Corredor Transistmiano, para citar alguns exemplos, são apenas fogos de artifício para encobrir o vazio estratégico de um modelo que nada tem a oferecer aos povos além de morte e destruição.

Os povos em movimento que não se deixaram cooptar por um ou outro, que mantêm a sua autonomia (o que não quer dizer que nunca errem), que não se curvam ao mau império ou ao bom, ou a qualquer governo, são aqueles que estão em posição de continuar sua jornada de longo prazo.

São eles que podem embarcar em projetos de novo tipo, ousados ​​e até perigosos, porque já venceram por continuar a existir. O que não significa que eles não possam ser atacados e até mesmo ser alvo de genocídios. Notícias disso chegam todos os dias do Cauca colombiano, de Wallmapu, de Chiapas e de todas as geografias que resistem.

Em meio a essa tremenda tempestade, as estratégias da esquerda e dos antigos movimentos mostraram suas limitações e estreitezas. Focar na tomada ou ocupação do Estado é, como apontou Immanuel Wallerstein décadas atrás, o caminho do fracasso porque volta a legitimar a ordem que se pretende combater.

Precisamos de estratégias que não sejam cópias invertidas das agendas e modos acima, sejam elas da direita ou da esquerda. Resistir sem reproduzir a mesma cultura política. Quando o Conselho Regional Indígena do Cauca proclama que conta conosco para a paz, nunca para a guerra, aponta para um novo tipo de política. Eles resistem construindo outros mundos.

Quando o EZLN constrói saúde, educação, justiça e poder autônomos, está ensinando o modo de vida que percorrem os povos de raízes maias e bases de sustentação, que aos poucos muitos outros começam a percorrer, em todos os continentes, em particular na América Latina.

*Raúl Zibechi é jornalista, escritor e teórico político.

Tradução: Ricardo Kobayaski

Publicado originalmente no jornal La Jornada.

 

Nota do tradutor


(1) É uma ferrovia, cujo projeto prevê atravessar quatro estados, impactando negativamente em comunidades indígenas, reservas florestais e espécies ameaçadas do México.

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