As redes sociais como padrão jornalístico

Imagem: Brett Sayles
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por RICARDO MUSSE*

Réplica à resenha de “China contemporânea” feita por Carlos Graieb

A resenha de Carlos Graieb do livro China contemporânea (Autêntica) publicada no jornal Folha de S. Paulo  encontra-se aquém da expectativa do leitor e do padrão usual na mídia impressa. Falta-lhe objetividade e imparcialidade. A dicção, os adjetivos, os tipos de juízos emitidos foram emprestados da linguagem dos influenciadores digitais. Nesse mimetismo, deliberado, prevalecem cacoetes dos ativistas das redes sociais: discorrer, em tom peremptório, sem meditação prévia, sobre assuntos que não dominam. As considerações do resenhista transmitem a impressão de leitura apressada e incompleta. Vejamos.

No comentário do artigo de Luiz Enrique Vieira de Souza sobre a situação ambiental na China o resenhista, de forma unilateral, reporta apenas os aspectos negativos. Ignora as páginas que apresentam avanços como a paulatina internalização de critérios ambientais na legislação chinesa e investimentos pesados em energia limpa, eficácia energética e reflorestamento. O leitor não é sequer informado que o objetivo explícito do sociólogo foi estabelecer um balanço do andamento contraditório da questão do meio-ambiente, da polaridade entre “fluxos de modernização ecológica e vetores de degradação ambiental”.

Graieb qualificou como “leitura árdua” o artigo “A ascensão chinesa e a economia-mundo capitalista: uma perspectiva histórica”, do economista e professor da USP, Alexandre de Freitas Barbosa. Os motivos elencados – a confrontação de teorias da história econômica, o esforço de abstração – revela apenas o descaso do resenhista em relação ao pensamento conceitual, forma de conhecimento inaugurada por Sócrates e eixo estruturante da ciência moderna desde Galileu.

O resenhista acusou Elias Jabbour e Alexis Dantas, especialistas reconhecidos por economistas de diferentes escolas como Luiz Carlos Bresser Pereira e Luiz Gonzaga Belluzzo pela originalidade de suas análises sobre a China, de “compromisso ideológico”. A ideologia, assim posta, é atribuída ao outro, um recurso argumentativo que foge da discussão intelectual, recorrendo ao ad hominem. Esse registro suscita a indagação: por que os juízos prévios de Carlos Graieb sobre a China e Hong-Kong não são “ideológicos”?

A resenha não informa aos leitores sequer que o artigo de Jabbour e Dantas examina do papel do Estado na gestão, coordenação e planificação da economia, sustentando a tese de que essa intervenção teria gestado uma formação econômica-social específica: “o socialismo de mercado”. Tampouco menciona os conceitos centrais do ensaio – “nova economia do projetamento” e “geopolítica institucionalizada pela China”.

Graieb recusa-se a comentar o artigo de Vladimir Pomar, por conta das credenciais de “ativista político” do autor. Pomar é conhecido nos meios jornalísticos por ter sido membro do Diretório Nacional do PT e coordenador da campanha de Lula em 1989. Sua respeitabilidade intelectual deriva também de suas investigações sobre o enigma chinês, assunto sobre o qual publicou nos últimos 40 anos quase uma dezena de livros. Nesse caso, a atitude do resenhista assemelha-se à dos ideólogos da “Escola sem partido” que pretendem, entre outras barbaridades, banir da bibliografia os livros de Karl Marx, um destacado ativista político.

O resenhista confessa que o artigo de Francisco Foot Hardman, historiador e professor de literatura na Unicamp, o deixou “desconcertado”, mas não esclarece se foi por se deparar a aplicação dos conceitos de simultaneísmo e fusão aos espaços-tempos histórico-culturais ou por não conseguir comentar as obras analisadas no artigo, do romancista Mo Yan e do cineasta Jia Zhangke. Sua reação ao desconforto, uma boutade desprovida de graça, foi surpreendente, pois trata-se de comportamento típico de semiletrados.

Graieb não dissimula seus preconceitos e seu anti-intelectualismo. A resenha abre com uma frase adversativa: “fui ao livro organizado pelo sociólogo Ricardo Musse com interesse, mesmo sabendo que a pegada era acadêmica”. Não admira que prefira repetir estereótipos a reconhecer as valiosas contribuições brasileiras para entender a gênese, o desenvolvimento e o futuro da ascensão chinesa.

* Ricardo Musse é professor do Departamento de Sociologia da USP, organizador de China contemporânea: seis interpretações (Autêntica) e autor de Émile Durkheim: fato social e divisão do trabalho (Ática).

Versão ampliada de artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 14 de agosto de 2021.

Referência


Ricardo Musse (org.). China contemporânea: seis interpretações. Belo Horizonte, Autêntica, 2021, 198 págs.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Slavoj Žižek Chico Alencar Denilson Cordeiro Eugênio Trivinho Bento Prado Jr. Milton Pinheiro Afrânio Catani André Márcio Neves Soares Dennis Oliveira José Dirceu Ronald León Núñez João Lanari Bo Leonardo Avritzer Atilio A. Boron Remy José Fontana Luiz Renato Martins Eduardo Borges Gilberto Lopes Ricardo Fabbrini Ricardo Antunes Rafael R. Ioris Luiz Carlos Bresser-Pereira Marilena Chauí Eugênio Bucci Lincoln Secco Luciano Nascimento Sandra Bitencourt Antonio Martins Jorge Luiz Souto Maior Marjorie C. Marona Francisco de Oliveira Barros Júnior Everaldo de Oliveira Andrade Tadeu Valadares João Feres Júnior Henri Acselrad Carlos Tautz José Costa Júnior Luís Fernando Vitagliano Priscila Figueiredo Michel Goulart da Silva Leonardo Sacramento Thomas Piketty Mário Maestri Ricardo Musse Ronaldo Tadeu de Souza João Carlos Salles Michael Löwy Marilia Pacheco Fiorillo Luiz Marques Alexandre de Freitas Barbosa Berenice Bento Armando Boito João Adolfo Hansen Renato Dagnino Liszt Vieira Ari Marcelo Solon Tales Ab'Sáber Lorenzo Vitral Vladimir Safatle José Geraldo Couto José Raimundo Trindade Dênis de Moraes Elias Jabbour Paulo Nogueira Batista Jr Bruno Machado Walnice Nogueira Galvão Luiz Bernardo Pericás André Singer Ricardo Abramovay João Carlos Loebens Sergio Amadeu da Silveira Chico Whitaker Bruno Fabricio Alcebino da Silva Érico Andrade Alexandre de Lima Castro Tranjan Daniel Brazil Otaviano Helene Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ladislau Dowbor Alysson Leandro Mascaro Celso Frederico Alexandre Aragão de Albuquerque Daniel Costa Henry Burnett Marcos Silva Annateresa Fabris Leda Maria Paulani Michael Roberts Airton Paschoa Daniel Afonso da Silva Flávio R. Kothe Eliziário Andrade Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Carla Teixeira Mariarosaria Fabris Francisco Pereira de Farias Marcelo Guimarães Lima José Micaelson Lacerda Morais Eleutério F. S. Prado Gerson Almeida Jorge Branco Yuri Martins-Fontes Rodrigo de Faria Gilberto Maringoni Ronald Rocha Valerio Arcary Jean Marc Von Der Weid Fábio Konder Comparato Igor Felippe Santos João Sette Whitaker Ferreira José Luís Fiori Andrés del Río Manchetômetro Boaventura de Sousa Santos Gabriel Cohn José Machado Moita Neto Marcelo Módolo Paulo Fernandes Silveira Juarez Guimarães Marcus Ianoni Manuel Domingos Neto Fernando Nogueira da Costa Antônio Sales Rios Neto Samuel Kilsztajn Matheus Silveira de Souza Claudio Katz Antonino Infranca Andrew Korybko Paulo Martins Osvaldo Coggiola Maria Rita Kehl Luis Felipe Miguel Francisco Fernandes Ladeira Fernão Pessoa Ramos Paulo Capel Narvai Salem Nasser Heraldo Campos Caio Bugiato Paulo Sérgio Pinheiro Valerio Arcary Bernardo Ricupero Eleonora Albano Tarso Genro Luiz Roberto Alves Julian Rodrigues Vinício Carrilho Martinez Luiz Werneck Vianna Lucas Fiaschetti Estevez Vanderlei Tenório Luiz Eduardo Soares Marcos Aurélio da Silva Anselm Jappe Kátia Gerab Baggio Benicio Viero Schmidt Jean Pierre Chauvin Rubens Pinto Lyra João Paulo Ayub Fonseca Celso Favaretto Flávio Aguiar Leonardo Boff

NOVAS PUBLICAÇÕES