Bernardo Bertolucci — primeiros passos cinematográficos

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Por MARIAROSARIA FABRIS*

Comentários sobre a trajetória inicial do cineasta italiano

Bernardo Bertolucci estreou oficialmente no cinema em 1961, quando Pier Paolo Pasolini o convidou para ser seu assistente de direção em Accattone (Desajuste social). Na época, contava com uma pequena experiência como diretor de curtas-metragens caseiros, com um estágio de um mês na Cinemateca Francesa (1960), com o qual havia sido contemplado por ter passado no esame di maturità (que corresponde ao nosso atual Enem), e com uma grande bagagem cinematográfica adquirida desde a infância quando seu pai, o poeta Attilio Bertolucci, cinéfilo de longa data e crítico cinematográfico da Gazzetta di Parma, o levava duas ou três vezes por semana a assistir filmes.

Os dois emilianos haviam se conhecido pouco depois da transferência da família Bertolucci para Roma (1954), num início de tarde de domingo, quando Pasolini bateu à porta do apartamento de rua Carini, 45, como o próprio Bernardo escreveu num texto que integra o volume Per il cinema. O jovem, num primeiro momento, não deixou a visita entrar, desconfiado de que fosse um ladrão, mal-entendido logo desfeito por seu pai, o qual, tendo chegado na capital italiana em abril de 1951, já frequentava o poeta.

Cinco anos depois, quando a família Pasolini se mudou para o mesmo endereço, a amizade entre os dois se estreitou e Bernardo tornou a compor poesias para submetê-las a Pier Paolo, que o incentivou a publicá-las e escreveu o prefácio do volume In cerca del mistero (Em busca do mistério, 1962), que ganhou o prestigioso prêmio Viareggio-Rèpaci na categoria “opera prima” (primeira obra). Neste mesmo ano de 1962, Bertolucci apresentou no Festival de Veneza La commare secca (A morte), cujo argumento Pasolini havia lhe confiado e cujo roteiro escreveu com a colaboração de Sergio Citti.

Na trama, muito próxima das narrativas pasolinianas para a literatura — Ragazzi di vita (Meninos da vida, 1955), que está na base do documentário La canta delle marane (1961), de Cecilia Mangini, e Una vita violenta (Uma vida violenta, 1959), do qual derivou o longa-metragem homônimo de Paolo Heusch e Brunello Rondi (1962) — e para o cinema — Accattone, mas também os roteiros de La notte brava (A longa noite de loucuras, 1959), de Mauro Bolognini, e La nebbiosa (A nebulosa, 1959), que deu origem a Milano nera (1961), de Gian Rocco e Pino Serpi —, Bernardo Bertolucci reproduziu as histórias do amigo, mas, nas filmagens preferiu assimilar os ensinamentos de outros realizadores, sobretudo de Jean-Luc Godard.

Dois anos mais tarde, o jovem diretor afirmou-se de vez com Prima della rivoluzione (Antes da revolução, 1964), rodado em sua cidade natal, cujo roteiro, baseado no romance La chartreuse de Parme (A cartuxa de Parma, 1839), de Stendhal, redigiu em parceria com Gianni Amico. Com a consolidação da carreira cinematográfica, deixava para trás seus estudos na Faculdade de Letras da Universidade de Roma e a atividade poética, iniciada em 1947, ao aprender a escrever,[1] mas negligenciada antes de completar dezesseis anos, quando rodou dois curtas-metragens: La teleferica (p/b, c. 10’, verão de 1956, provavelmente julho) e La morte del maiale (sempre em 1956, três meses depois).

Sobre o filme de ficção — do qual seu irmão caçula Giuseppe, então com cerca de 9 anos e meio, e as priminhas Marta e Ninì (Galeazzina) foram os intérpretes — Fabien S. Gerard escreveu uma espécie de sinopse: “Três crianças aproveitam a hora da sesta para se embrenharem sozinhas nos bosques além do riacho e do cemitério, em busca de vestígios de um teleférico fora de uso, para transformá-lo em balanço. Perscrutam inutilmente os galhos mais altos, na esperança de entrever algum cabo enferrujado. À medida que a tarde avança, os três se perdem no labirinto de castanheiras, sem perceberem que certo número de torres e, sobretudo, o cabo, caídos faz tempo, se escondem agora debaixo de seus passos, no meio de samambaias e urtigas”.

Vamos deixar a palavra a Bernardo, rapaz de 15 anos, o qual conclui com esses termos o ‘argumento’ que ele bateu a máquina pouco antes das tomadas: ‘No fim, cansados, pensam em voltar para casa pelos bosques. Estão tristes pelo malogro da operação e, sem perceber, cruzam o riacho e retornam, no fim de tarde, sempre pelos bosques. De repente, encontram-se na estrada em construção. O sol vai se pondo. As crianças já estão envoltas nas sombras.

De onde estão, têm todo o vale diante de si. A objetiva irá enquadrá-lo desde o início, em direção às montanhas, depois aos pastos, à aldeia entre as castanheiras, à falha rochosa, aos bosques, ao teleférico ao longe. De supetão, G[iuseppe] se volta na estrada. Ela é comprida e branca, com as montanhas ao fundo. Mais devagar, N[inì] se volta na direção oposta. O teleférico, os bosques, o Monte Caio, o grande vale em direção à planície ainda iluminada’”[2].

Há, no fim desse relato, um toque de impermanência no sentido de precariedade, provisoriedade, a mesma que Fabien S. Gerard assinalou no poema que Attilio dedicou ao curta do filho e que, segundo o autor, “voltará em vários filmes das décadas seguintes, especialmente em La commare secca e Piccolo Buddha [O pequeno Buda, 1993]”. A partir de uma declaração do próprio Bernardo Bertolucci, reproduzida pela Treccani, mais obras poderiam ser acrescentadas a essa lista: “Quando rodava Prima della rivoluzione, achava que seria meu último filme. Em vez disso, a cada vez, milagrosamente, pedem-me para fazer outro. E a cada vez, infalivelmente, acho que será o último. A impermanência dos filmes, a sensação de terminalidade que eles dão, é igual à vida”.

Vamos passar agora a palavra a Attilio Bertolucci que, no poema “La teleferica (a B, con una otto millimetri)” (“O teleférico (a B, com uma câmera 8mm)”), assim descreveu os bastidores da primeira realização do filho mais velho:

“O verão cobre as cercas-vivas de poeira,
mesmo acima dos mil metros,
cobre de poeira as amoras obstinadas
numa adolescência acre.
Mas sua adolescência se suaviza, amadurece
na paciência artesanal e sutil
desta tomada de baixo para cima
e de trás da cerca-viva rasgada
de modo a urdir com espinhos, folhas e bagas
a trama em seu tempo real
cadenciado pelos passos silenciosos
e furtivos das crianças, Giuseppe, Marta,
Galeazzina, ‘fugitivos de casa’
quando todos dormem em Casarola[3]
porque é julho e o fogo meridiano
dobra até a gente selvagem
dos Apeninos, até as mulheres
indomáveis na sovinice e na imundice,
arfando em cima de catres miseráveis
em triste paz.
Somente vocês, gentis veranistas,
vivem esta hora, roubam sua
aguda chama de modo que seus olhos
sorrirão, em primeiro plano, para sempre
sob o sol das três.
Apressem-se, o teleférico fica longe
e Bernardo, que tem as pernas compridas
dos catorze anos, a mania do storyteller,
insiste no tempo real, os quer
perdidos entre castanheiras e samambaias,
procurando, com a luz que vai
ficando mais fraca — apressem-se,
a noite nas montanhas dá medo —
os fios metálicos que cortam as mãos
e levam embora a madeira
para o tanino, ou a levavam, a fábrica
caindo aos pedaços, e os cabos entrelaçados
precisou Giuseppe descobri-los, perdidos
na vertigem dos galhos mais altos,
ferrugem e clorofila, aventura e terror
de uma criança que brinca: estes
os antecedentes da trama, agora ele
leva as primas mais velhas
até o almejado balanço
e não mais o encontrará,
seu coração sentirá uma dor,
só igual à que, depois de anos e anos infinitos,
o homem sente no primeiro orgasmo do enfarte.
O último enquadramento é de cima
de um galho de azinheira, o olho da câmera
busca inquieto seus olhos inquietos,
guia vencido
enquanto as meninas já se distraem,
a mais velha das irmãs entrelaça
um chapéu de folhas sobre os cabelos
da caçula, o operador poeta
também se encanta, pensando no efeito
que ele conseguirá quando já secas
as folhas acabarão na poeira
rosada do crepúsculo frio
no caminho de volta, esquecidos
a dor precoce, a pupila desapontada,
o tema humano da historinha.
Deixem que a arte tenha
destas revanches improvisas mas justas
contra a vida, que um rapaz aproveite
e tenha consciência naqueles caros anos
da vocação e da aprendizagem”[4].

A descrição de Marta Simonazzi, que em alguns aspectos parece retomar o poema de Attilio, acrescenta mais alguns detalhes ao enredo: “Três garotos, que fugiram de casa depois do almoço, quando todos dormem porque é julho e faz calor, perdem-se num bosque de castanheiras seculares, entre samambaias e rochas caídas do Groppo Sovrano, bosque do qual Bernardo fará novas tomadas no filme La tragedia di un uomo ridicolo [A tragédia de um homem ridículo, 1981], com Ugo Tognazzi. Enquanto a menorzinha reza diante de uma imagem religiosa, à espera de um sinal ou de um milagre, Giuseppe e eu procuramos, entre espinhos e castanheiras, indícios para achar o caminho de volta. Finalmente, surge diante de nossos olhos um velho teleférico abandonado, sabe-se lá há quanto tempo, escondido entre pilhas de madeira e, percorrendo sua trajetória, conseguimos voltar para casa, sem que ninguém perceba nada”.

O próprio Bernardo reevocou sua primeira aventura cinematográfica, ao explicar por que havia feito as tomadas iniciais de La commare secca num bosque de grandes eucaliptos:

“Guardava para mim o motivo dessa escolha, era um segredo até para o produtor. Quem sabe por qual ‘cerimonial’ queria voltar de novo às regras e à emoção de uma brincadeira interrompida há alguns anos, precisamente no verão de 1956. De fato, descobri o cinema por brincadeira, e também então num bosque.[5] Se não eram eucaliptos, eram castanheiras enormes dos Apeninos, e lembro que, atrás de meus pequenos atores em primeiro plano, havia sempre galhos e folhas, numa doce luz perpétua, impressionista. Fazia tudo sozinho, com o mesmo amor que um pequeno mecânico de 15 anos dispensa às engrenagens de sua moto”.

Para Gerard, além do primeiro longa-metragem, há outros diálogos possíveis entre La teleferica e filmes posteriores de Bertolucci: “a ideia da vegetação que cobre o cabo caído ao chão será recriada no fim de La strategia del ragno [A estratégia da aranha, 1970], enquanto o diretor chegará a visitar de novo seu primeiríssimo set numa sequência de La tragedia di un uomo ridicolo” (como vimos, assinalado também por Marta Simonazzi).

Assim, antes de empunhar uma Paillard-Bolex 16mm, emprestada pelo pai de suas primas, Ugo Galeazzi, que a havia adquirido na Venezuela, Bernardo, escreveu o roteiro, com a colaboração de Giuseppe, e, ciente de não dominar o processo de montagem, planejou toda a decupagem, inclusive diversas cartelas com intertítulos em versos escritos a mão em folhas de papel, uma vez que o filme era silencioso. E, com seus parceiros, passou o verão em busca de locações, estruturando sequências e ensaiando enquadramentos.

Apesar de ser apenas um filme amador, foi exibido. O crítico de cinema Adriano Aprà, num texto de 2019, admitiu que, na época, teve uma leve inveja daquele rapaz um pouco mais moço do que ele, o qual apresentava a um afamado roteirista suas primeiras realizações, e não estava apenas em busca de conselhos:

“Eu o conheci quando tinha dezesseis anos, em 1957, na casa de Cesare Zavattini (amigo de meu pai), onde […] projetou dois curtas-metragens em 16mm: La teleferica, filme de ficção, e La morte del maiale, documentário. Embora eu tivesse apenas quatro meses mais do que ele, banquei o crítico: demasiados enquadramentos em contra-plongée no primeiro, bom o segundo. Acredito ter sido um dos pouquíssimos que os viram (foram extraviados), mas ainda guardo uma lembrança. Eu, só para constar, tinha ido apenas para perguntar como podia publicar (Zavattini colaborava com Cinema Nuovo, então, a única revista de referência para mim)”.

Do semidocumentário La morte del maiale [A morte do porco], sobraram dois esboços do argumento, reproduzidos no site da “Fondazione Bernardo Bertolucci”. Trata-se de seis páginas, cujas primeiras quatro — que correspondem ao esboço intitulado Una giornata d’inverno (Um dia de inverno) — estão embaralhadas, uma vez que, depois da inicial, aparecem a terceira, a quarta e, só no fim, a segunda; as duas últimas correspondem ao esboço sem título, que se interrompe no décimo-quinto item, pois o seguinte está em branco. A falta de datação torna difícil estabelecer qual versão foi escrita antes; o único indício que poderia levar a concluir que o jovem Bernardo redigiu em primeiro lugar o esboço sem título é o detalhamento menor e a escrita mais solta como se se tratasse de um rascunho rabiscado às pressas.

Seja como for, os dois textos se complementam, às vezes no acréscimo de pequenos detalhes, mas, sobretudo no aumento do número de sequências na que considerei a segunda redação. Nesta ganha maior destaque o papel do menino do campo, de uns sete-oito anos, que assiste à matança e aos preparativos que a antecedem, criando uma expectativa maior. Como os textos não foram datilografados ou digitalizados e a letra do jovem autor, às vezes, é indecifrável, a transcrição dos originais em italiano foi bastante difícil, ficaram algumas dúvidas e lacunas, mas nada que afetasse seriamente sua compreensão nem a tradução em português.

O emprego de termos dialetais da Emília — “resdora” (escrito por Bertolucci sem aspas e que em italiano corresponde a “massaia”, dona de casa), nas duas versões, e “coradòr” (=“stiletto”, na língua padrão, espécie de punhal de lâmina fina), na primeira — foi mais uma dificuldade a ser superada.

No argumento de La morte del maiale em suas duas versões chamam a atenção os movimentos de câmera nomeados ou subentendidos, bem como o encadeamento seguro das sequências, as quais, em geral, foram bem detalhadas, com exceção do abate do porco. Este episódio, aliás, reservou uma surpresa, como relatou o próprio Bernardo Bertolucci: o charcuteiro, talvez perturbado pela presença da câmera, deixou escapar o porco, o qual, ao correr pelo terreiro, espalhou seu sangue pela neve. Um imprevisto que antecipava o resultado de um conselho que Jean Renoir lhe dará, em 1974: “Lembre-se, tem que deixar sempre uma porta aberta no set. Nunca se sabe: alguém inesperado poderia entrar, é a realidade que está lhe dando um presente!” — como o cineasta registrou em Il mistero del cinema.

Houve ainda outros momentos em que o jovem diretor não permaneceu “fiel” ao texto, trabalhando com uma escrita em aberto: “Nossos camponeses tinham apenas um porco e eu filmei ao alvorecer, um pouco antes de o dia raiar, esses dois charcuteiros chegando de bicicleta para matar o porco […]. Mas, me parecia que essa chegada de bicicleta não era bastante “épica”. Então, pedi aos dois charcuteiros para vestirem capas no lugar de seus casacos e mandei que chegassem pelos campos, a pé, na neve, para começar o filme de um jeito mais excitante. Mas, sobretudo, fiz um pouco de mise-en-scène. Eles não entendiam e diziam: “Ah, está tirando fotos da gente…”.

O curta-metragem foi rodado com a mesma câmera do filme anterior no sítio de Baccanelli (um distrito de Parma), onde Bernardo viveu até os doze anos, ansiando a cada novembro, junto com os filhos dos camponeses que trabalhavam para seu avô paterno, a chegada dos charcuteiros. O tema dessa realização de 1956 voltará em projetos posteriores do diretor, desde o não realizado I porci (1965) — baseado na obra homônima (1946) de Anna Banti, que integrou o volume de contos Le donne muoiono (1951) — até o já citado La tragedia di un uomo ridicolo, passando por Novecento (1900, 1976), sem esquecer a sequência do assassinato de Anna Quadri, esposa de um opositor do Fascismo, em Il conformista (O conformista, 1971), que remete à fuga do animal sangrando no filme da juventude.

Em Novecento, como o próprio Bernardo Bertolucci declarou: “Procurei com a sequência da matança do porco, fazer o remake daquele velho filme em 16 mm. Há a presença das crianças que olham e tapam os ouvidos para não escutar os gritos” (registrado no site de Il Cinema Ritrovato Festival).

Passemos à primeira versão do argumento, sem título: “(i) Um homem sai do estábulo, carregando uma lanterna e cruza o terreiro rumo ao chiqueiro. Anda com pressa insólita, quase inatural num camponês (ii) A câmera enquadra o chiqueiro com a porta aberta, dentro entrevem-se as sombras do porco e de seu dono. É de manhãzinha. Carrinho ao redor da casa até o alpendre com a caldeira e Marietta que acende o fogo. (iii) Do estábulo, sai um menino pequeno com as mãos nos bolsos e a gola levantada e aproxima-se do homem que agora saiu do chiqueiro”.

(iv) Enquanto o homem ajeita alguns paus contra o muro, o garoto olha para ele, ocioso. O camponês vira-se energicamente e, com um tapa na cabeça, manda-o perguntar a hora em casa. (v) Agora o menino, ao correr para casa, esbarra no charcuteiro que está chegando de bicicleta, bem agasalhado. (vi) O camponês, ao levantar a cabeça, vê o menino que vem correndo e gritando que o charcuteiro chegou. (vii) Interior da cozinha. Partindo de uma xícara de café vazia, na qual há duas bitucas de cigarro apagadas, enquadra-se o charcuteiro, que fica remexendo sem parar na mesa e propõe começar.

(viii) Ao sair para o corredor, o charcuteiro, dando uma palmada na porta semicerrada, encontra-se diante de uma moça que, com uma escova dura, está lavando as tábuas de madeira. E […]. (ix) Pelo carreiro, vêm três homens de bicicleta, bem agasalhados. Vemo-los por um segundo, depois, passamos para o charcuteiro e o camponês que estão fazendo algo perto da caldeira. (x) Os três homens, um depois do outro, dobram a esquina do chiqueiro e vão encostar as bicicletas ao alpendre. (xi) Agora estão parados e observam os dois que trabalham ao redor da caldeira. Olham por cima de suas capas. Depois, o primeiro deles quebra o gelo, livrando-se da capa e correndo esquentar as mãos no fogo da caldeira. Os outros seguem-no.

(xii) Enquadramento da cozinha. A dona de casa encaminha-se para a janela e abre-a para jogar fora algo. E vê o charcuteiro que desembainha a faca e o gancho. A objetiva acompanha a dona de casa que se vira imediatamente e sai quase correndo do cômodo. (xiii) Ainda a janela. A câmera deixa-a, rumando para os homens que agora estão prontos e se olham. (xiv) Porta do chiqueiro. O dono do porco para um segundo diante dela, depois, abre-a. E aqui temos a sequência da matança do porco. (xv) Primeiro plano da dona do lar dentro de casa exatamente depois do abate do porco. A dona de casa dá um suspiro, como se quisesse dizer: acabou. Depois, olha para a moça que antes limpava as tábuas e sorri, quase espantada com a própria comoção. E propõe alguns pequenos afazeres. (xvi) [em branco]”[6].

Agora, a segunda versão, Um dia de inverno:

“(1) De manhãzinha, ainda não clareou de todo, um homem sai do estábulo, carregando uma lanterna e cruza o terreiro rumo ao chiqueiro. Anda com pressa insólita, quase inatural num camponês. (2) Largada a lanterna, o camponês desaparece, do outro lado do alpendre. Depois, a câmera descobre, num canto, um caldeirão que está esquentando, no meio da fumaça. (3) O camponês volta segurando alguns paus e começa a montar uma estranha engenhoca, depois de ter olhado ao redor, para se assegurar, poderíamos quase pensar, de que ninguém o está vendo.

(4) A porta do alpendre do estábulo abre-se devagar. Por ela sai, ainda assonado, um menino com as mãos nos bolsos, que estremece de frio. Anda e para a poucos metros do homem que trabalha e não o vê. (5) O camponês, ao pegar um pau, percebe que o menino está aí. E vira-se imediatamente, quase com grosseria, e o manda ir para casa, para ver as horas. O menino vai correndo. (6) O menino ao correr, perto da porta de casa, esbarra num homem bem agasalhado, que está chegando de bicicleta. (7) O homem carrega embrulhos debaixo do braço, um deles cai e, desembrulhando-se, fica no chão. Enquadramento, uma grande lâmina.

(8) O menino, de repente, vira-se e corre para o pai, gritando o nome do recém-chegado. O pai segue o menino até a casa. (9) A câmera enquadra a chaminé fumegante da casa. Panorâmica longa do campo. Termina sobre uma espécie de forca montada pelo camponês. (10) Uma galinha corre ao longo de um muro. A câmera gira até uma porta pela qual estão saindo três homens bem agasalhados que sobem em suas bicicletas e vão embora.

(11) O menino abre uma porta. Interior de uma cozinha. O camponês e o homem dos embrulhos estão sentados, falando. A dona de casa aproxima-se com um bule de café. (12) O café sendo servido numa xícara. (13) A roda de uma bicicleta. Depois duas, depois três, depois quatro. As três bicicletas seguem pela estrada íngreme. (14) A xícara de café, vazia e com uma bituca de cigarro dentro. Agora cai outra. (15) O homem dos embrulhos, com um soco afável na mesa, levanta-se, como se quisesse dizer: Vamos começar?

(16) Pela porta de entrada do saguão, enquanto os dois homens saem, entrevemos uma moça lavando uma tábua com uma escova dura. (17) De um enquadramento dos três homens de bicicleta, avançando pela estrada carroçável, até o camponês e o outro homem, que desembainham as lâminas reluzentes. (18) Os três homens chegam ao terreiro e encostam as bicicletas. Ficam um pouco parados no calor de suas pesadas capas, depois, livram-se delas e alcanças os dois. Um deles corre a aquecer as mãos no fogo do caldeirão.

(19) A cozinha. A dona de casa está buscando algo e, por acaso, cai-lhe nas mãos a pasta do menino. Coloca-a em cima do aparador. (20) Os homens perto do portão, olhando. Estão prontos. (21) A dona de casa aproxima-se da janela e abre-a para jogar alguma coisa fora e vê os homens que, guiados por seu marido, se dirigem ao chiqueiro. Um deles segura na mão um gancho e um punhal fino. (22) O menino está dirigindo-se para os homens, mas a mãe o chama, energicamente, da janela. (23) O menino também gostaria de ir ao chiqueiro e quando está prestes a pedir, a mãe atira-lhe a pasta pela janela.

(24) A janela é fechada. A dona de casa dá uma última olhada nos homens, depois, vira-se e corre para outro cômodo. (25) A porta do chiqueiro. O dono do porco fica apenas um segundo na frente dela, depois, abre-a. (26) Um dos homens vira-se e vê num gramado, ao longe, o menino que segue com sua pasta debaixo do braço. (27) O charcuteiro coloca as mãos atrás das costas e entra. (28) O menino esconde a pasta debaixo de uma ponte e, de longe, detrás dos arbustos, fica vendo os homens diante do chiqueiro. (29) A matança do porco (interrompida pela corrida do menino). (30) Bem na hora em que o porco é abatido, primeiro plano da dona de casa que dá um suspiro. Depois, olha para a moça que antes estava limpando as tábuas e sorri. (31) O menino, andando no meio dos arbustos, aproxima-se cada vez mais e vê o porco sendo carregado numa espécie de rede de pesca”.[7]

Suposições poderão ser checadas e dúvidas redimidas com a visão de La morte del maiale, uma vez que, na última edição de Il Cinema Ritrovato, foi anunciada sua localização e a realização de uma projeção no cine Modernissimo (no dia 28) de Bolonha, conforme noticiado pelo próprio festival em 26 de junho de 2024. No comunicado, porém, não há nenhuma referência à edição do curta, o qual, no site da Fondazione Bernardo Bertolucci, continua constando como “filme nunca montado e presumivelmente extraviado”.

Bernardo Bertolucci, no entanto, estreou no campo do cinema bem antes das realizações focalizadas até agora. Seu batismo remonta à primeira infância, quando Antonio Marchi[8] o filmou, junto com seu pai, em Attilio e Bernardo Bertolucci a Casarola durante la guerra (1943), um home movie (na denominação hodierna) apresentado na edição de 2019 do supracitado festival bolonhês. O filme amador, disponível na internet, “mostra sombras, luzes, casas do campo, espelhos d’ água, janelas e, portanto, a desolação campestre, fascinante e melancólica. A certa altura […], chega um menino sorridente e feliz por estar em Casarola”, na descrição de Carolina Caterina Minguzzi — um menino cujas andanças seguiremos por uns 75 segundos, um menino que surge na tela com as mãos nos bolsos, como a criança assonada ao sair do estábulo em La morte del maiale.

Sequência de fotogramas do filme de Antonio Marchi

As tomadas de Antonio Marchi imortalizaram os primeiros passos cinematográficos do pequeno Bernardo que, ao crescer, confessou que

“foi fatal que eu rodasse meu primeiro filme logo em Casarola: La teleferica, chamava-se. […] Era uma prova de pura expressão. Quer dizer, eu lembro dele como talvez meu único momento de diretor no qual estava realmente aquém de qualquer reflexão, de qualquer necessidade de ter consciência, aquém de pensar no cinema. Ia apenas em busca da pura expressão, sem saber. Queria apenas imprimir na película, era isso o que eu queria fazer. Descobrir que fixar aquela paisagem, sua complexidade, seu significado era algo de milagroso que acontecia pelas minhas mãos e depois diante de meus olhos. Casarola subtraída à sua realidade e transfigurada naquela película”.

Confissão registrada no livro Il mistero del cinema, que reproduz a lectio doctorales que Bertolucci proferiu em 16 de dezembro de 2014, quando a Universidade de Parma lhe conferiu o título de doutor honoris causa em História e Crítica das Artes e do Espetáculo. E, continuando a lembrança de sua profunda ligação com esta e outras paisagens da infância e da adolescência, nunca esquecidas: “Só podia começar daqui, de Casarola, da origem apenínica, de uma aldeia e uma casa que para nós sempre estiveram fora do tempo, um lugar no qual viver protegidos do mundo. […] Casarola é uma aldeia que nos marcou, que nos condicionou, a mim e a meu irmão Giuseppe. Éramos muito apegados àquele lugar, àquela casa. Tínhamos nascido com o mito de Casarola, o lugar de onde provinha a família Bertolucci […]. Uma de minhas primeiras poesias, entre os 6 e os 7 anos, dizia: Desperta-o o eco de um galo que canta / esfrega seus olhos uma borboleta branca / Casarola, que todos creem inventada”.

No original: “Ti sveglia l’eco di un gallo che canta / ti frega gli occhi una farfalla bianca / Casarola, che tutti credon fòla”. “Fola”, termo que pode ter dois significados, o de “favola, fiaba” (= “fábula) e o de “frottola, cosa non vera” (= “lorota”), mas ambos ligados ao conceito de invenção. Casarola fòla: um lugar real e fictício, um lugar mítico, um lugar de origem, que continuou estimulando a imaginação criativa de Bernardo Bertolucci no campo cinematográfico. Um lugar de onde se projetou para o mundo e em cujo ventre telúrico, ao lado de seu irmão, ele quis recolher-se para sempre.

*Mariarosaria Fabris é professora aposentada do Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP. Autora, dentre outros textos, de “O cinema italiano contemporâneo”, que integra o volume Cinema mundial contemporâneo (Papirus).

Referências


“Bernardo Bertolucci inedito: ritrovato il film La morte del maiale girato quando aveva solo 15 anni” (26 jun. 2024). Disponível em: <https://festival.ilcinemaritrovato.it/ bernardo-bertolucci-inedito/>.

BERTOLUCCI, Bernardo. “Il cavaliere della valle solitaria”. In: PASOLINI, Pier Paolo. Per il cinema. Milão: Mondadori, 2001.

BERTOLUCCI, Bernardo. Il mistero del cinema. Milão: La Nave di Teseo, 2021. Disponível em: <https://dokumen.pub/il-mistero-del-cinema-8834606728-97888346067 28.html>.

“Cinema primo amore. Storia del regista Antonio Marchi”. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/Cinema-amore-regista-Antonio-Marchi/dp/8895161041>.

Fondazione Bernardo Bertolucci. Disponível em: <https://bernardobertolucci.org>.

GIROLDINI, Primo. “Cittadella Film: la Cinecittà del Nord”. Disponível em: <https://emiliodoc.it/cittadella/>.

“Impermanenza” (2021). Disponível em: <https://www.treccani.it/vocabolario/
impermanenza_(Neologismi)/>. O trecho citado pela enciclopédia foi extraído de VECCHI, Bruno. “Aspettando il Sessantotto”. L’Unità/L’Unità2, Roma, 5 jun. 1994.

MINGUZZI, Carolina Caterina. “Parlando di Bernardo” (29 jun. 2019). Disponível em: <https://festival.ilcinemaritrovato.it/parlando-di-bernardo/>.

Notas


[1] Bernardo aprendeu a praticar a leitura lendo poemas do pai, por isso, ao ser alfabetizado, para ele foi natural escrever poesias.

[2] Dados e citações de/sobre o diretor foram extraídos, em sua maioria, do site da “Fondazione Bernardo Bertolucci”. Quanto às demais fontes, elas estão assinaladas ao longo do texto.

[3] Em Casarola, pequeno distrito montanhoso de Monchio delle Corti, na província de Parma (Emília-Romanha), estava localizada a antiga residência do pai de Attilio, refúgio familiar durante a Segunda Guerra Mundial e casa de veraneio desde a transferência para Roma. Em fevereiro de 2023, o local passou a integrar o projeto “Case e studi delle persone illustri dell’Emilia-Romagna” (Casas e estúdios de pessoas ilustres da Emília-Romanha), merecido reconhecimento por ter abrigado um dos maiores poetas italianos do século XX e seus dois filhos, renomados cineastas.

[4] O poema foi publicado na revista Palatina, Parma, n. 9, jan.-mar. 1959 e, posteriormente, no volume Viaggio d’inverno (Milão: Garzanti, 1971). Texto original: “L’estate impolvera le siepi, / anche oltre i mille metri, / impolvera le more ostinate / in un’adolescenza agra. // Ma la tua adolescenza s’addolcisce, matura / nella pazienza artigiana e sottile / di questa ripresa dal basso / e da dietro la siepe stracciata / così da tramare di spini foglie e bacche / il racconto nel suo tempo reale / scandito dai passi silenziosi / e furtivi dei bambini Giuseppe Marta / Galeazzina ‘fuggiti di casa’ / quando tutti dormono a Casarola / perché è luglio e il fuoco meridiano / piega anche la gente selvatica / dell’Appennino, anche le donne / indomabili nell’avarizia e nella sporcizia, / boccheggianti su pagliericci miseri in triste pace. // Soltanto voi, gentili villeggianti, / vivete quest’ora, ne rubate / l’acuta fiamma sì che i vostri occhi / rideranno, nel primo piano, per sempre / al sole delle tre. // Affrettatevi, la teleferica è lontana / e Bernardo, che ha le gambe lunghe / dei quattordici anni, la smania dello storyteller, / insiste sul tempo reale, vuole / che vi perdiate fra castagni e felci / a cercare, con la luce che si fa / più e píù debole — affrettatevi, / la sera è paurosa sui monti — / i fili metallici che tagliano le mani / e portano via il legname / per il tannino, o lo portavano, la fabbrica / va in pezzi, e le funi intrecciate / ci voleva Giuseppe a scoprirle perse / nella vertigine dei rami più alti, / clorofilla, avventura e terrore / di un bambino che gioca: questo / l’antefatto del racconto, ora egli conduce le cugine più grandi / all’altalena sospirata / e non la troverà più, / il suo cuore ne sentirà dolore, / quale soltanto, passati anni e anni infiniti, / l’uomo prova nel primo orgasmo dell’infarto. // L’ultima inquadratura è dall’alto / di un ramo di cerro, l’occhio della macchina / ricerca inquieto i tuoi occhi inquieti, / guida sconfitta / mentre già le bambine si distraggono, / la più grande delle sorelle intreccia / un cappello di foglie sui capelli / della più piccola, l’operatore poeta / se ne innamora anche lui, pensa all’effetto / che ne ricaverà quando avvizzite / le foglie finiranno nella polvere / rosata del crepuscolo freddo / sulla via del ritorno, scordati / il dolore precoce, la pupilla delusa, / il tema umano della novelletta. / Lasciate che l’arte si prenda / queste rivincite improvvise ma giuste / sulla vita, che un ragazzo ne profitti / e abbia coscienza in quei cari anni / della vocazione e dell’apprendistato”. No poema há duas pequenas imprecisões: Bernardo, na época, tinha 15 anos e não 14, tendo nascido em Parma, no dia 16 de março de 1941, e a câmera por ele usada era uma 16mm.

[5] Nas lembranças de sua prima Marta, contudo: “Para nós, garotos, parecia uma brincadeira fantasiosa, divertida e inusual, mas, para Bernardo, era algo mais. Era o início de sua faísca poético-cinematográfica”.

[6] Texto original: “1) Un uomo esce dalla stalla con una lucerna in mano e attraversa l’aia andando verso il porcile. Cammina con una sveltezza insolita, quasi innaturale in un contadino. / 2) La macchina inquadra il porcile con la porta aperta, dentro si intravedono le ombre del maiale e del suo padrone. È un mattino presto. Carrellata intorno alla casa sino al portichetto con la caldaia e la Marietta che fa fuoco. / 3) Dalla stalla viene un bambino piccolo [?] con le mani in tasca e il bavero alzato e si avvicina all’uomo che ora è uscito dal porcile. / 4) Mentre l’uomo mette in ordine dei pali contro il muro[,] il ragazzo lo guarda, ozioso. Il contadino si volta energicamente e con uno scappellotto lo manda a chiedere l’ora in casa. / 5) Ora il bambino correndo verso la casa si scontra con il norcino che sta arrivando in bicicletta intabarrato. / 6) Il contadino alzando la testa vede il bambino che viene correndo e gridando che c’è il norcino. / 7) Interno della cucina. Si parte da una tazza vuota di caffè dentro la quale sono spenti due mozziconi di sigaretta e si inquadra il norcino che con un lavorio fruga sul tavolo [e] propone d’incominciare. / 8) Uscendo nel corridoio il norcino, con una manata alla porta semisocchiusa, si trova di fronte a una ragazza che con una spazzola dura lava le tavole di legno. E […]. / 9) Dalla carraia vengono tre uomini in bicicletta intabarrati. Li vediamo per un’attimo [sic], poi passiamo al norcino e al contadino che fanno qualcosa vicino alla caldaia. / 10) I tre uomini, uno dopo l’altro[,] svoltano l’angolo del porcile e vanno ad appoggiare le biciclette al portico. / 11) Ora sono fermi e osservano i due lavorare intorno alla caldaia. Guardano dall’alto dei loro tabarri. Poi il primo di loro scioglie il ghiaccio liberandosi dal tabarro e correndo a scaldarsi le mani al fuoco della caldaia. Gli altri lo seguono. / 12) Inquadratura della cucina. La resdora si avvia alla finestra e la apre per buttare di sotto qualcosa. E vede il norcino che sfodera il ‘coradòr’ e l’uncino. L’obiettivo segue la resdora che si volta immediatamente ed esce quasi di corsa dalla stanza. / 13) Ancora la finestra. La macchina ne esce verso gli uomini che sono ormai pronti e si guardano. / 14) La porta del porcile. Il padrone del maiale sosta un attimo davanti a lei, poi apre. E qui la scena dell’uccisione del maiale. / 15) Il primo piano della resdora in casa proprio subito dopo che il maiale è stramazzato. La resdora che fa un sospiro come per dire: è finita. Poi guarda la ragazza che prima puliva le tavole e sorride quasi stupita della propria commozione. E propone qualche lavorino (?). / 16)”.

[7] Texto original — Una giornata d’inverno: “1) Nel primo mattino, non è ancora chiaro del tutto, un uomo esce dalla stalla con una lucerna in mano e attraversa l’aia andando verso il porcile. Cammina con una sveltezza insolita, quasi innaturale in un contadino. / 2) Posata la lucerna il contadino scompare, al di là del portico. Poi la macchina scopre in un angolo una grande caldaia che si sta scaldando tra il fumo. / 3) Il contadino torna con dei pali in mano e si mette a costruire uno strano trabiccolo, dopo essersi guardato intorno, potremmo credere quasi per assicurarsi che nessuno lo vede[.] / 4) La porta del porticato della stalla si apre lentamente. Ne esce ancora insonnolito un bambino con le mani in tasca e che rabbrividisce per il freddo. Cammina e si ferma a qualche metro dall’uomo che lavora e non lo vede[.] / 5) Il contadino, raccogliendo un palo, si accorge del bambino. E subito si volta, quasi sgarbatamente[,] e lo manda in casa a vedere che ore sono. Il bambino corre[.] / 6) Il bambino, vicino alla porta di casa, correndo, si scontra con un uomo intabarrato che sta arrivando in bicicletta. / 7) L’uomo ha dei fagotti sotto il braccio, e gliene cade uno[,] srotolandosi rimane per terra. Quadro, una grande lama. / 8) I[l] bambino subito si volta e corre a gridare al padre del nuovo arrivato. Il padre segue il bambino verso casa. / 9) La macchina inquadra il camino fumante della casa. Lunga panoramica sulla campagna. Si finisce sulla specie di forca costruita dal contadino. / 10) Una gallina che corre lungo a un muro. La macchina gira sino a una porta da cui stanno uscendo tre uomini intabarrati che montano sulle biciclette e partono. / 11) Il bambino apre una porta. Interno d’una cucina[.] Il contadino e l’uomo dei fagotti parlano seduti. La resdora si avvicina con un bricco di caffè. / 12) Il caffè che si versa in una tazza. / 13) La ruota di una bicicletta. Poi due, poi tre, poi quattro. Le tre biciclette vanno lungo la stradetta dirotta. / 14) La tazza di caffè, vuota con un mozzicone di sigaretta dentro. Ora […] ne cade un’altro [sic]. / 15) L’uomo dei fagotti, con un bonario pugno sul tavolo[,] si alza come per dire: Incominciamo? / 16) Attraverso una porta dell’andito, mentre i due uomini escono[,] intravediamo una ragazza che lava una tavola in[?] una spazzola dura. / 17) Da un’inquadratura dei tre uomini in bicicletta che avanzano lungo la carraia, al contadino e all’altro uomo che sfoderano le lame luccicanti. / 18) I tre uomini arrivano nell’aia e appoggiano le biciclette. Rimangono un attimo fermi nel caldo dei loro tabarri, poi se ne liberano e raggiungono i due. Uno di loro corre a scaldare le mani al fuoco della caldaia. / 19) La cucina. La resdora cerca qualcosa e le capita tra le mani, per caso, la cartella del bambino. Gliela mette sul comò. / 20) Gli uomini vicino al cortile, e guardano. Sono pronti. / 21) La resdora si avvicina alla finestra e la apre per buttar via qualcosa e vede gli uomini che, guidati da suo marito, si dirigono verso il porcile. Uno di loro ha in mano un uncino e un pugnale sottile. / 22) Il bambino sta dirigendosi verso gli uomini. Ma la madre lo chiama, energicamente, dalla finestra[.] / 23) Il bambino vorrebbe andare anche lui al porcile e[,] mentre glielo sta chiedendo, sua madre gli butta la cartella dalla finestra. Lui rimane fermo con la cartella in mano[.] / 24) La finestra si chiude. La resdora da [sic] un ultimo sguardo agli uomini, poi si volta e corre in un[]altra stanza. / 25) La porta del porcile. Il padrone del maiale solo un attimo di fronte a lei, poi apre. / 26) Uno degli uomini si volta e vede in un prato, lontano[,] il bambino che va con la cartella sotto braccio. / 27) Il norcino mette le mani dietro la schiena ed entra. / 28) Il bambino che nasconde la cartella sotto un ponte e vede da lontano[,] dietro le gaggie, gli uomini contro il porcile. / 29) L’uccisione del maiale (Interrotta dalla corsa del bambino)[.] / 30) Proprio nell’attimo in cui il maiale è stramazzato, primo piano della resdora che fa un gran sospiro. Poi guarda la ragazza che prima puliva le tavole e sorride. / 31) Il bambino camminando tra le gaggie si avvicina sempre più e vede che il maiale viene caricato su una specie di carella”.

[8] Mais conhecido no âmbito regional do que nacional, o parmense Antonio Marchi atuou no campo cinematográfico entre 1946 e 1957. Foi autor de filmes amadores, como La liberazione di Montechiarugolo (1944-1945), em que registrou a libertação de uma pequena localidade da Emília por parte das tropas aliadas, com a presença de nossos pracinhas. Dirigiu ainda vários curtas-metragens, dentre os quais La duchessa di Parma (1948), Il Parmigiano (1948), Nasce il romanico (1949) e Canzoni tra due guerre (1950), para cujos textos de apoio contou com a colaboração de Attilio Bertolucci. Em 1954, junto com Luigi Malerba, realizou seu único longa-metragem, Donne e soldati. Assinaram o roteiro os dois diretores e mais Luciana Momigliano, Attilio Bertolucci e Marco Ferreri (um dos intérpretes principais). Foi diretor da revista La critica cinematografica (12 números entre o início de 1946 e o fim de 1948), que contou com a colaboração de Guido Aristarco, Attilio Bertolucci, Ugo Casiraghi, Francesco Pasinetti, Renzo Renzi, Dino Risi, Ottone Rosai, Giuseppe Ungaretti, Mario Verdone, dentre outros, tendo organizado também a primeira edição de um festival de cinema, junto com outros redatores. Em junho de 1946, durante o boom do cinema documentário no pós-guerra, esteve entre os colaboradores de “La Cittadella Film”, que pretendia ser uma pequena Cinecittà do Norte da Itália, cuja produção começou já no mês de setembro daquele mesmo ano. Nos arquivos da produtora estão guardados argumentos e roteiros de expoentes de renome do cinema italiano, como Michelangelo Antonioni, Giorgio Bassani e Pier Paolo Pasolini. Em 1953, fez parte do comitê organizador de um congresso sobre o Neorrealismo, junto com Zavattini, Bertolucci, Malerba, Pietro Bianchi e o industrial Pietro Barilla. Como informa o site sobre “La Cittadella Film”: “Seguindo as sugestões e as teorias de Cesare Zavattini para relançar o movimento neorrealista, nas jornadas de 3, 4 e 5 de dezembro, todo o estado maior do cinema italiano converge para Parma: Michelangelo Antonioni, os jovens diretores [Carlo] Lizzani, [Francesco] Maselli e [Gillo] Pontecorvo, Vittorio De Sica, os críticos Renzi e Aristarco, a roteirista Suso Cecchi D’Amico e o próprio Zavattini apresentam comunicações importantes, abordando os temas mais significativos para o relançamento do movimento”. A aventura deste aficionado pela sétima arte foi narrada por Mirko Grasso em Cinema primo amore. Storia del regista Antonio Marchi (Lecce: Kurumuny Edizioni, 2010).


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