Por STAN COX*
Há um grande problema pela frente e não se pode dizer que ninguém o viu chegando
Alguma coisa deve estar acontecendo. Caso contrário, por que os cientistas continuariam nos enviando avisos assustadores? Houve um fluxo constante nos últimos anos, incluindo o “Alerta dos cientistas mundiais sobre a emergência climática” (assinado por 15 mil cientistas), o “Alerta dos cientistas contra a sociedade do excesso de lixo“, o “Alerta dos cientistas sobre um oceano em perigo”, o “Alerta dos cientistas sobre a tecnologia”, o “Alerta dos cientistas sobre a sociedade afluente“, “As mudanças climáticas e a ameaça à civilização” e até mesmo “Os desafios para evitar um futuro macabro“.
Claramente, há um grande problema pela frente e não se pode dizer que ninguém o viu chegando. Na verdade, um alerta de calamidade ecológica, o qual ganhou as manchetes há mais de 50 anos, está parecendo assustadoramente presciente agora.
Em 1972, um grupo de cientistas do MIT publicou um livro, Os limites do crescimento (The Limits to Growth), baseado em simulações computacionais do evolver da economia mundial de 1900 a 2100. Ele traçou trajetórias para os sinais vitais da Terra e da humanidade, com base em vários cenários. Mesmo há muito tempo, esses pesquisadores já buscavam caminhos políticos que pudessem contornar os limites ecológicos do planeta e, assim, evitar o colapso econômico ou mesmo civilizacional. Em todos os cenários, porém, as economias mundiais futuras simuladas acabaram esbarrando em limites – esgotamento de recursos, poluição, quebras de safras – que desencadearam declínios na produção industrial, na produção de alimentos e na população.
No que eles chamaram de cenários “business as usual“, o nível de atividade humana crescia por décadas, apenas para atingir o pico e, eventualmente, despencar em direção ao colapso (mesmo naqueles que incluíam melhorias rápidas de eficiência). Em contraste, quando usaram um cenário sem crescimento, a economia e a população globais diminuíram, mas não entraram em colapso. Em vez disso, a produção industrial e a produção de alimentos se estabilizaram em níveis mais baixos, mas em estado estacionário.
Crescimento e seus limites
Por que deveríamos nos interessar por simulações realizadas há meio século atrás, em computadores mainframe antigos e desajeitados? A resposta: porque estamos realizando agora realmente o que tais simulações previram. O livro Limites do crescimento previu que, com o “business as usual”, a produção cresceria por cinco décadas antes de atingir seu pico em algum momento da última metade da década de 2020 (estamos chegando lá!). Aí o declínio se instalaria. E, com certeza, agora vemos cientistas de várias disciplinas emitindo alertas de que estamos perigosamente perto exatamente desse ponto de virada.
Este ano, uma simulação usando uma versão atualizada do modelo do Limites do crescimento mostrou que a produção industrial atingiu já o pico, enquanto a produção de alimentos pode também o atingir em breve. Tal como fazia o texto original de 1972, esta análise atualizada prevê declínios distintos após a ultrapassagem dos picos. Eis o que advertem os autores: embora a trajetória correta de declínio permaneça imprevisível, eles estão confiantes de que “o consumo excessivo de recursos (…) está esgotando as reservas a ponto de o sistema não ser mais sustentável.”
Suas considerações finais são ainda mais arrepiantes: “Temos que admitir como sociedade que, apesar de 50 anos de conhecimento sobre a dinâmica do colapso de nossos sistemas de suporte à vida, ainda não conseguimos iniciar uma mudança sistemática que evite esse colapso. Está ficando cada vez mais claro que, apesar dos avanços tecnológicos, a mudança necessária para colocar a humanidade em uma trajetória diferente também exigirá uma mudança nos sistemas de crenças, mentalidades e na forma como organizamos nossa sociedade”.
O que os Estados Unidos estão fazendo hoje para sair de uma trajetória tão desordenada e entrar em uma trajetória mais sustentável? A resposta, infelizmente, não é nada, ou melhor, é pior do que nada. Sobre o clima, por exemplo, a necessidade imediata mais importante é acabar com a queima de combustíveis fósseis o mais rápido possível. Contudo, isso não está sendo considerado pelos formuladores de políticas de Washington.
Nos EUA foi atingida em 2023 uma produção recorde de petróleo e exportações recordes de gás natural. Mesmo daqui a um quarto de século, se lá chegarmos, as fontes de energia eólica e solar juntas devem responder por apenas cerca de um terço da geração de eletricidade dos EUA, com 56% dela ainda sendo fornecida por gás, carvão e energia nuclear.
Contudo, parece que o aumento da demanda elétrica crescente atrasará ainda mais a transição para o abandono do gás e do carvão. De acordo com uma reportagem recente de Evan Halper, do Washington Post, as concessionárias de energia na Geórgia, Kansas, Nebraska, Carolina do Sul, Texas, Virgínia, Wisconsin e uma série de outros estados estão sentindo o calor proverbial da explosão do consumo de eletricidade. Analistas na Geórgia, por exemplo, aumentaram em 17 vezes sua estimativa da capacidade de geração que o estado exigirá daqui a 10 anos.
Este desequilíbrio entre a procura e a oferta de energia não é de modo algum sem precedentes e a origem do problema é óbvia. Por mais bem-sucedida que tenha sido a indústria americana no desenvolvimento de novas tecnologias de geração de energia, ela tem sido ainda mais bem-sucedida no desenvolvimento de novos produtos que consomem energia. Grande parte do aumento atual da demanda, por exemplo, pode ser atribuída a empresas que trabalham com inteligência artificial (IA) e outras atividades computacionais famintas por energia. Os suspeitos de sempre – Amazon, Apple, Google, Meta e Microsoft – promoveram farras de construção de datacenters, assim como muitas outras empresas, especialmente operações de mineração de criptomoedas.
O norte da Virgínia abriga atualmente 300 data centers do tamanho de campos de futebol, outros mais estão a caminho, de tal modo que já há uma escassez de eletricidade gerada localmente. Para manter esses servidores funcionando, as concessionárias de energia elétrica cruzarão o estado com centenas de quilômetros de novas linhas de transmissão conectadas a quatro usinas a carvão na Virgínia Ocidental e em Maryland. Havia planos para fechar essas fábricas. Agora, elas serão mantidas operando por tempo indeterminado. O resultado: milhões de toneladas a mais de dióxido de carbono, enxofre e óxidos nitrosos liberados na atmosfera anualmente.
E o apetite energético do mundo digital só vai crescer. A empresa de pesquisa SemiAnalysis estima que, se o Google implantasse a inteligência artificial generativa em resposta a cada solicitação de pesquisa na Internet, seria necessário meio milhão de servidores de dados avançados consumindo 30 bilhões de quilowatts-hora anualmente – o equivalente ao consumo nacional de eletricidade da Irlanda. (Para comparação, o consumo total de eletricidade do Google agora é “apenas” 18 bilhões de quilowatts-hora).
Como o Google e a Microsoft estão planejando enfrentar uma crise energética significativa produzida por eles mesmo? Eles certamente não vão recuar de seus planos de fornecer cada vez mais novos serviços que quase ninguém pediu (um dos quais, a inteligência artificial, de acordo com seus próprios principais desenvolvedores, poderia até provocar o colapso da civilização antes que as mudanças climáticas tenham essa chance). Em vez disso, relata Evan Halper, esses gigantes da tecnologia estão “esperando que as operações industriais com uso intensivo de energia possam, em última análise, ser alimentadas por pequenas usinas nucleares no local”. Para elas, tudo parece realmente ótimo!
É a riqueza, estúpido
O problema não está apenas nos servidores de dados. Durante 2021-2022, as empresas de outros ramos anunciaram planos para construir 155 novas fábricas nos Estados Unidos, muitas delas para produzir veículos elétricos, equipamentos de processamento de dados e outros produtos garantidos para sugar a rede elétrica nos próximos anos. A tendência mais ampla para a “eletrificação de tudo” manterá muito mais usinas movidas a combustíveis fósseis funcionando muito além de suas datas de validade.
Em dezembro de 2023, a empresa GridStrategies informou que os planejadores quase dobraram sua previsão para a expansão da rede nacional – provavelmente uma subestimação, eles observaram, dado o aumento da demanda por carregamento de veículos elétricos, produção de combustível para veículos movidos a hidrogênio e funcionamento de bombas de calor e fogões de indução em milhões de casas americanas. Enquanto isso, verões cada vez mais quentes podem desencadear um aumento de 30% a 60% no uso de energia para ar-condicionado.
Em suma, esse tipo de expansão indefinida da economia americana e global para um futuro distante está fadada ao fracasso – não sem antes paralisar nossos sistemas ecológicos e sociais. Em seu Global Resources Outlook 2024, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) informou que o consumo anual de recursos físicos da humanidade cresceu mais de três vezes no meio século desde que o livro Limites do Crescimento foi publicado.
De fato, a extração de recursos está aumentando mais rápido do que o Índice de Desenvolvimento Humano, uma medida padrão de bem-estar. Em outras palavras, a extração excessiva e a superprodução, ao produzirem riqueza de modo impressionante, beneficia quem? O gênero humano – isso é certo – não está sendo beneficiado.
O PNUMA enfatizou que a necessidade de restringir profundamente a extração e o consumo se aplica principalmente às nações ricas e às classes ricas em todo o mundo. Observou que os países de alta renda, entre eles os Estados Unidos, consomem seis vezes mais massa de recursos materiais por pessoa do que os de baixa renda. A disparidade nos impactos climáticos por pessoa é ainda maior, uma diferença de dez vezes entre ricos e pobres.
Em outras palavras, o aumento da riqueza e o impacto climático estão inextricavelmente ligados. A participação do crescimento global recente no produto interno bruto capturado pelo 1% mais rico das famílias foi quase duas vezes maior do que a parcela que caiu para os outros 99%. Os leitores dessa postagem não ficarão surpresos ao saber que o 1% também produziu quantidades desproporcionais de emissões de gases de efeito estufa.
Além disso, sociedades com uma ampla divisão entre ricos e pobres têm taxas mais altas de homicídio, prisão, mortalidade infantil, obesidade, abuso de drogas e gravidez na adolescência, de acordo com os professores britânicos de epidemiologia Richard Wilkinson e Kate Pickett.
Em um comentário de março para a revista Nature, eles escreveram: “Uma maior igualdade reduzirá o consumo insalubre e excessivo e aumentará a solidariedade e a coesão necessárias para tornar as sociedades mais adaptáveis diante do clima e de outras emergências”. Além disso, sua pesquisa mostra que sociedades mais igualitárias têm impactos significativamente menos severos na natureza. Quanto maior o grau de desigualdade, pior o desempenho quando se trata de poluição do ar, reciclagem de resíduos e emissões de carbono.
A mensagem é clara: reduzir o colapso ecológico e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida da humanidade requer suprimir a extravagância material das pessoas mais ricas do mundo. Em especial, é preciso cortar a crescente fração de bilionários globais. Isso teria, no entanto, que ser parte de um esforço muito mais amplo para livrar as sociedades ricas da superextração sistêmica e da superprodução, fatores que se afiguram agora como fontes de uma aniquilação global.
Eliminação gradual e decrescimento
As simulações computacionais antigas e as realidades atuais estão, ao que parece, falam em uníssono, alertando que a própria civilização está em perigo de colapso. O crescimento – seja expresso em mais dólares acumulados, mais toneladas de material produzido, mais carbono queimado ou mais resíduos emitidos – está terminando. A única questão é: isso acontecerá por meio de um colapso da sociedade ou por meio de uma reversão do crescimento material? Ora, essa reversão poderia ser realizada racionalmente de tal modo a evitar uma descida a um conflito ao estilo Mad Max de todos contra todos?
Um número crescente de defensores deste último caminho está trabalhando sob a bandeira do “decrescimento”. Em seu livro Degrowth, de 2018, Giorgos Kallis a descreveu como “uma trajetória em que o ‘rendimento’ (fluxos de energia, materiais e resíduos) de uma economia diminui enquanto o bem-estar, ou bem-estar, melhora” de uma forma “não exploradora e radicalmente igualitária”.
Nos últimos anos, o movimento de decrescimento cresceu e isso aconteceu de modo bem rápido. Antes era um assunto para um punhado de acadêmicos principalmente europeus; agora se tornou um movimento mais amplo que desafia as injustiças do capitalismo e do “crescimento verde”. É o tema de centenas de artigos em revistas acadêmicas, incluindo o novo Degrowth Journal, e uma pilha de livros (incluindo o cativante Who’s Afraid of Degrowth?). Uma pesquisa de 2023 com 789 pesquisadores climáticos descobriu que quase três quartos deles favorecem o decrescimento – e não o crescimento ou até mesmo o crescimento verde.
Em um artigo na revisa Nature de 2022, oito estudiosos do decrescimento listaram políticas que acreditam que devem guiar as sociedades ricas no futuro. Entre elas, a redução da produção de materiais e do consumo de energia menos necessários, a conversão para a propriedade dos trabalhadores, a redução da jornada de trabalho, a melhoria e universalização dos serviços públicos, a redistribuição do poder econômico e a priorização dos movimentos sociais e políticos de base.
Como essas políticas poderiam se tornar uma realidade nos Estados Unidos e no mundo? Claramente, as empresas privadas que dominam nossa economia jamais tolerariam políticas voltadas para o encolhimento da produção material ou de suas margens de lucro (nem o governo federal que conhecemos hoje). No entanto, se legisladores e formuladores de políticas mais esclarecidos assumissem o controle (por mais difícil que isso possa ser imaginar), eles poderiam de fato evitar os colapsos sociais e ambientais agora distintamente em andamento. Os pontos de pressão mais eficazes para o fazer seriam, suspeito, os poços de petróleo e gás e as minas de carvão que agora alimentam essa destruição.
Para começar, por incrível que pareça em nosso mundo atual, Washington teria que nacionalizar a indústria de combustíveis fósseis e colocar um limite nacional para o número de barris de petróleo, pés cúbicos de gás e toneladas de carvão permitidos para fora do solo e para a economia, com esse limite caindo rapidamente ano a ano. O acúmulo de energia eólica, solar e outras energias não fósseis seria, é claro, incapaz de acompanhar uma supressão tão rápida do fornecimento de combustível. Assim, os Estados Unidos teriam que seguir uma dieta energética, enquanto a produção de bens e serviços desnecessários e esbanjadores teria que ser rapidamente reduzida.
E, no entanto, o governo precisaria garantir que a economia continuasse a satisfazer as necessidades mais básicas de todos. Isso exigiria uma política industrial abrangente, direcionando cada vez mais a energia e os recursos materiais para a produção de bens e serviços essenciais. Tais políticas excluiriam a inteligência artificial, o sistema do bitcoin e outros glutões de energia que existem apenas para gerar riqueza para poucos, ao mesmo tempo em que minariam as perspectivas da humanidade para um futuro decente. Enquanto isso, o controle de preços seria necessário para garantir que todas as famílias tivessem eletricidade e combustível suficientes.
Meu colega Larry Edwards e eu temos argumentado há anos que tal estrutura, a qual chamamos de “cortar e adaptar” é uma necessidade não para um futuro distante, mas para agora. Políticas semelhantes para adaptação às limitações de recursos materiais funcionaram bem na América da época da Segunda Guerra Mundial.
Infelizmente, vivemos – para dizer o mínimo – em um mundo político muito diferente hoje. (Basta perguntar a um dos 756 bilionários norte-americanos o que eles acham de tudo isso!) Se há alguma chance de que uma política industrial nacional, controle de preços e racionamento pudesse como na década de 1940, ser aprovada em lei, essa chance infelizmente desapareceu – pelo menos para o futuro próximo.
Felizmente, porém, a situação internacional parece mais brilhante. Um movimento crescente e vigoroso está pressionando por duas ações iniciais que seriam essenciais para evitar o pior do caos climático e do colapso social: a nacionalização e a rápida eliminação dos combustíveis fósseis no mundo rico. Esses podem vir a ser os primeiros passos da humanidade em direção ao decrescimento e a um futuro verdadeiramente habitável. Mas o mundo precisaria agir rápido.
Digo tudo isso, e não pedirei desculpas, ok? Eis que já recebemos um aviso prévio.
*Stan Cox é biólogo e escritor. Autor, entre outros livros de The Green New Deal and beyond: ending the climate emergency while we still can (City Lights). [https://amzn.to/4dnX7TD]
Tradução: Eleutério F. S. Prado.
Publicado originalmente no portal Counterpunch.
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