Indiciamento de Donald Trump

Imagem: Naomie Daslin
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por RAFAEL R. IORIS*

A eleição de 2024 ficou talvez mais imprevisível e certamente mais complexa

O dia 4 de abril de 2023 vai entrar para os anais da história como a data em que o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos foi indiciado. O ex-presidente em questão é Donald Trump, e o crime, o de fraude eleitoral. O indiciamento foi autorizado pelo procurador de Nova York Alvin Bragg, com base em investigações que remontam a vários anos e que agora são reexaminadas e corroboradas por um júri especial encarregado de aprovar, ou não, a tal iniciativa.

Estamos falando, em última análise, de uma fraude contábil, mas que também se tornou fraude eleitoral por se tratar de uma alocação indevida de recursos. Eles teriam sido, na verdade, usados para comprar o silêncio da atriz de filmes eróticos Stormy Daniels, com quem Donald Trump teria tido um caso, mas que foram contabilizados como recursos de campanha, em meio ao processo eleitoral de 2016, que levaria Donald Trump à Casa Branca.

Donald Trump teve imunidade durante seu mandato presidencial. Mas agora, como ex-presidente, pode ser indiciado como cidadão comum. De início, esperava-se que questões mais graves, como, por exemplo, o fato de Donald Trump ter tentado fraudar a contagem de votos do estado da Geórgia durante a campanha de reeleição de 2020, resultariam em eventual indiciamento. Nesse sentido, dada a natureza inusitada do crime, a reação inicial da maioria dos comentaristas norte-americanos tem sido a de que, talvez, a Procuradoria tenha-se precipitado, ou mesmo “forçado a mão”, dado que tais fraudes contábeis seriam crime somente no estado de Nova York, e não em nível federal. Isso significa que, talvez, o delito em questão não possa ser utilizado para um indiciamento, já que se trata de uma campanha em nível federal – a única do país, para a Presidência.

Muito da acusação se baseia em depoimentos de um ex-advogado de Donald Trump, Michael Cohen, que já foi sentenciado a prisão por vários crimes, inclusive o que fundamenta a acusação contra Donald Trump. Dado que se trata da palavra de um “criminoso”, a defesa de Donald Trump já começou a tarefa de desacreditar a versão de Michael Cohen. Além disso, o próprio Donald Trump já vem trabalhando insistentemente, nas últimas semanas, para criar uma narrativa de perseguição política (“caça às bruxas”). O esforço tem funcionado de maneira surpreendentemente eficiente junto à base republicana. Sua intenção de votos para a próxima eleição presidencial, em 2024, tem crescido dentro do partido. Até o momento, Donald Trump já arrecadou mais de US$ 8 milhões em doações para sua campanha à reeleição.

O processo iniciado de maneira formal no dia de hoje será longo, e uma possível sentença talvez seja anunciada somente durante a campanha eleitoral do ano que vem. Nesse sentido, a questão que se coloca é se o indiciamento e o encaminhamento das investigações serão prejudiciais, ou benéficos, à tentativa de Donald Trump de voltar para a Casa Branca. Pelo momento, o empresário tem conseguido ser muito eficaz em angariar apoio junto ao seu eleitorado mais aguerrido e até mesmo junto às lideranças do Partido Republicano em geral. Isso inclui possíveis opositores na campanha primária da legenda que, para não parecerem oportunistas, têm defendido o ex-presidente e classificam as acusações de indevidas e persecutórias.

Se a tendência atual for mantida, é possível que Donald Trump venha a ser o indicado pelos republicanos para concorrer possivelmente contra Joe Biden, também candidato à reeleição, pelo Partido Democrata. O que não é certo é se o apoio a Donald Trump junto à base republicana, crescentemente conservadora, reflete, ou não, a visão do eleitorado mais amplo do país, em especial do voto independente. Nas primeiras sondagens, a maioria da população, em geral, mostra-se favorável ao indiciamento de Donald Trump. Há uma tradição legalista, e mesmo moralista, muito forte na sociedade norte-americana que tende a se orgulhar e a repetir a frase de que “ninguém está acima da lei”.

Apenas um ex-presidente conseguiu voltar à Presidência nos EUA, após ter sofrido uma derrota na sua primeira tentativa de reeleição. Se esse será o caso de Donald Trump, vai depender de se ele será capaz de expandir a narrativa de uma perseguição política infundada para outras camadas de eleitores para, então, começarmos a ter alguns possíveis prognósticos da eleição do ano que vem. Por ora, tudo parece muito incerto e aberto. O que dá para saber é que a eleição de 2024 ficou talvez mais imprevisível e certamente mais complexa.

*Rafael R. Ioris é professor do Departamento de História da Universidade de Denver (EUA).


O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Marilia Pacheco Fiorillo Bruno Machado Alexandre de Freitas Barbosa Michael Roberts Daniel Brazil Claudio Katz João Carlos Loebens Vladimir Safatle Eugênio Bucci Ronald Rocha Carla Teixeira Luiz Carlos Bresser-Pereira Jean Pierre Chauvin Jorge Branco Leonardo Sacramento Luis Felipe Miguel Ricardo Musse Fernão Pessoa Ramos Jean Marc Von Der Weid Armando Boito Eleutério F. S. Prado Walnice Nogueira Galvão Chico Whitaker José Dirceu José Machado Moita Neto Michael Löwy Denilson Cordeiro Eleonora Albano Remy José Fontana Lorenzo Vitral Daniel Afonso da Silva Marcelo Guimarães Lima Jorge Luiz Souto Maior Juarez Guimarães Renato Dagnino Leonardo Boff Luiz Renato Martins Leda Maria Paulani Vinício Carrilho Martinez André Márcio Neves Soares Caio Bugiato Mariarosaria Fabris Valerio Arcary Flávio Aguiar Boaventura de Sousa Santos Andrew Korybko Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Tales Ab'Sáber Daniel Costa José Luís Fiori Ricardo Abramovay Luiz Roberto Alves Liszt Vieira Antonio Martins Mário Maestri Gilberto Lopes Michel Goulart da Silva Bruno Fabricio Alcebino da Silva Luiz Eduardo Soares Sandra Bitencourt Tadeu Valadares Fábio Konder Comparato Paulo Nogueira Batista Jr Eduardo Borges João Carlos Salles Francisco Pereira de Farias Luiz Marques José Geraldo Couto Plínio de Arruda Sampaio Jr. Fernando Nogueira da Costa Matheus Silveira de Souza Bernardo Ricupero Dennis Oliveira Rodrigo de Faria Leonardo Avritzer José Costa Júnior Afrânio Catani Dênis de Moraes Marjorie C. Marona Everaldo de Oliveira Andrade Manuel Domingos Neto Celso Frederico Luiz Werneck Vianna Rubens Pinto Lyra João Feres Júnior Gabriel Cohn Berenice Bento Annateresa Fabris Érico Andrade Atilio A. Boron Luís Fernando Vitagliano Yuri Martins-Fontes Tarso Genro José Micaelson Lacerda Morais Samuel Kilsztajn João Sette Whitaker Ferreira Ladislau Dowbor Otaviano Helene Maria Rita Kehl Lincoln Secco Lucas Fiaschetti Estevez Alysson Leandro Mascaro Rafael R. Ioris Luiz Bernardo Pericás Paulo Fernandes Silveira Marcus Ianoni Paulo Capel Narvai Paulo Sérgio Pinheiro Slavoj Žižek Marilena Chauí Igor Felippe Santos João Paulo Ayub Fonseca Eliziário Andrade João Adolfo Hansen Ronald León Núñez Alexandre Juliete Rosa Anselm Jappe Osvaldo Coggiola Priscila Figueiredo Francisco Fernandes Ladeira Marcelo Módolo Sergio Amadeu da Silveira Heraldo Campos Julian Rodrigues Marcos Aurélio da Silva Eugênio Trivinho Francisco de Oliveira Barros Júnior Flávio R. Kothe Benicio Viero Schmidt Gerson Almeida Alexandre de Lima Castro Tranjan Vanderlei Tenório José Raimundo Trindade Thomas Piketty Antonino Infranca Henri Acselrad Ronaldo Tadeu de Souza Manchetômetro André Singer Milton Pinheiro Henry Burnett Salem Nasser Elias Jabbour Chico Alencar Ricardo Antunes Antônio Sales Rios Neto Luciano Nascimento Alexandre Aragão de Albuquerque Airton Paschoa Marcos Silva Celso Favaretto Bento Prado Jr. Ari Marcelo Solon Ricardo Fabbrini Andrés del Río Kátia Gerab Baggio Gilberto Maringoni João Lanari Bo Paulo Martins Carlos Tautz

NOVAS PUBLICAÇÕES