Por BRUNO MACHADO*
Por ruptura social, não se deve entender uma tomada armada do poder por um partido político, como defendem abertamente os comunistas brasileiros
No âmbito da centro-esquerda brasileira, há como referencial de modelo social e econômico os países nórdicos. Essas sociedades seriam vistas como capitalistas mas ao mesmo tempo igualitárias, sendo a união de dois mundos perfeita dos sociais-democratas. Há, entretanto, dois problemas principais nesse referencial prático de projeto político ideológico.
Primeiramente, não se pode deixar de lado o funcionamento do capitalismo internacional como um sistema centro-periferia, por isso, as ações imperialistas e até mesmo colonialistas desses tais países modelos em relação ao Sul Global é um pilar fundamental que possibilitou a abundância material dentro de suas fronteiras europeias. Dessa maneira, para qualquer país do Sul Global repetir o desenvolvimento econômico desses países nórdicos seria necessário um processo de industrialização que se assemelharia muito mais com os processos de desenvolvimento retardatários de países como Coréia do Sul e China.
Além disso, o processo de divisão do mundo em centro e periferia tornou as burguesias nacionais dos países periféricos submissas as burguesias dos países centrais, não só materialmente mas também ideologicamente e inclusive culturalmente. Dessa maneira, nos países periféricos, um processo de desenvolvimento industrial e tecnológico retardatário, o chamado catch-up tecnológico, só é possível se dar politicamente através de algum grau de ruptura social. Um exemplo disso foi o processo rápido, porém curto de desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil nos governos Getúlio Vargas.
Olhando para esse cenário teórico descrito acima, uma possível conclusão é a que somente uma revolução comunista poderia provocar essa ruptura social e implantar um processo de catch-up tecnológico como ocorreu na China, que ao contrário da Coreia do Sul, pôs em prática um processo de desenvolvimento enfrentando a centralidade do capitalismo global, não tendo seu desenvolvimento econômico provocado nem apoiado pelos países centrais. Entretanto, a solução comunista enfrenta dois grandes problemas que se repetiram em suas experiências do passado e do presente: o cerco internacional gerador de conflitos militares e o autoritarismo do partido comunista no poder.
Qualquer país periférico que passe por um processo revolucionário que altere a disposição de poder vigente, e, dessa forma, retire a burguesia nacional submissa à centralidade do capitalismo global, sofrerá forte repressão do poder político, econômico e militar dos países centrais. O forte cerco econômico contra a União Soviética seguido por uma intensa guerra civil apoiada pelas potenciais capitalistas da época demonstrou isso no século passado. Além disso, o embargo a Cuba e a forte tensão militar dos EUA contra a China também demonstram o preço que se paga ao realizar uma revolução contrária ao status quo centro-periferia do capitalismo.
Dessa maneira, para manter a disposição de poder pós-revoluçao e evitar-se que o país periférico volte ao status quo anterior à revolução, os partidos comunistas no poder buscam fechar seus regimes do ponto de vista político para se proteger das tentativas de contrarrevolução financiadas e provocadas pelo cerco capitalista internacional construído pelos países centrais insatisfeitos com sua perda de poder. Sendo assim, tais países pós-revolução se veem em uma realidade onde a liberdade de expressão, liberdade de imprensa e até mesmo o direito de ir e vir se perdem diante do cenário de guerra híbrida e cerco internacional.
Se dentro do sistema vigente não há solução para o desenvolvimento econômico do Brasil, e ao mesmo tempo, uma ruptura via revolução comunista também não se apresenta como uma solução que tenha dado bons resultados na história, fica mais difícil encontrar uma solução para a questão nacional brasileira. É a partir desse impasse, que temos o socialismo moreno de Leonel Brizola como um possível patamar de realização política possível para o Brasil.
É fato que, como o próprio Brizola já disse, o trabalhismo brasileiro precisa de uma pimenta revolucionária, e a própria história de Leonel demonstra que tal líder político não era um cego defensor das instituições vigentes, como aparenta ter se tornado parte da esquerda brasileira do momento. Como foi discutido, qualquer tentativa de desenvolvimento econômico do Brasil, como a proposta de Projeto Nacional de Desenvolvimento de Ciro Gomes e do PDT, só pode ser posto em prática em um país periférico como o Brasil através de algum tipo de ruptura social. O que não significa que só uma total ruptura com o capital seja a única opção. Uma revolução nacionalista, e até mesmo socialista, não necessariamente precisa ser uma revolução comunista liderada por um partido comunista leninista.
Olhando para nossa história, o governo de Getúlio Vargas se realizou como um governo que chegou ao poder após uma ruptura com a burguesia nacional, entretanto não representou uma ruptura total ao sistema capitalista internacional, provocando reações apenas moderadas do imperialismo americano. Seria difícil imaginar um governo Vargas tão duradouro se Vargas fosse um comunista e fizesse uma revolução no Brasil inspirada no que o Partido Comunista Chinês fez na China. Certamente o Brasil entraria em um cerco internacional muito forte e com grande possibilidade de entrar em conflitos militares, o que interromperia o processo de industrialização que o Brasil passou com Vargas.
Assim sendo, há a possibilidade do Brasil se desenvolver economicamente após passar por uma revolução não tão revolucionária. Os projeto político de Brizola e o plano econômico de Ciro Gomes podem ser os pilares de uma revolução brasileira que se identifique como socialista mas que não se iluda com a social-democracia, ao mesmo tempo em que não veja nas revoluções russa e chinesa um modelo a ser seguido no Brasil. Uma ruptura social que vise o desenvolvimento econômico não pode deixar de lado os aspectos indispensáveis da democracia e da república.
Tendo isso tudo como norte político, cabe a esquerda, portanto, construir um forte e popular pensamento socialista no Brasil que possibilite não apenas uma vitória nas urnas de um projeto socialista moreno, mas também que eleve a consciência de classe dos trabalhadores brasileiros para enfrentar a resistência que haverá contra um projeto de emancipação nacional, e que dessa forma provoque as rupturas sociais necessárias para a construção de um novo país.
Por ruptura social, não se deve entender uma tomada armada do poder por um partido político, como defendem abertamente os comunistas brasileiros. Uma ruptura social é, certamente, uma imposição da realidade, visto que não há possibilidade de mudança da disposição de poder no país sem que haja reação da burguesia nacional e internacional. Entretanto, não se deve descartar que uma vitória eleitoral socialista que ponha em prática uma agenda desenvolvimentista com o apoio popular nas ruas através de protestos, greves e desobediência civil seria um processo de ruptura social, ainda que não seja violento.
Cabe, portanto, à esquerda brasileira conquistar corações e mentes da classe trabalhadora e construir um pensamento socialista e nacionalista forte o suficiente para uma vitória nas urnas, mas também para que haja força política suficiente nas ruas para alterar as estruturas de poder do Brasil, em um inevitável processo de enfrentamento ao poder vigente das burguesias nacional e internacional em manifestações, protestos e greves gerais.
*Bruno Machado é engenheiro.
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