A intersecção entre arte e ciência

Sergio Sister, 1969, Ecoline, crayon oleoso,lápis e caneta hidrografica, 29,5 x 44 cm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por DANIEL BRAZIL*

Dois livros que conjugam arte e ciência de forma clara e elegante

A literatura de divulgação científica foi inventada no século XX, e pouco a pouco conquistou um espaço nas livrarias – quando havia livrarias – e catálogos. Em meio a muita mistificação, autores como Carl Sagan, Richard Dawkins ou Stephen Jay Gould tornaram-se clássicos do gênero, seja explicando a Física moderna ou o legado de Darwin. A academia mais carrancuda ainda vê com desconfiança esse tipo de literatura, mas o número crescente de cursos de divulgação científica, de teses e de seminários sobre o tema mostra uma abertura para o desejável diálogo da ciência com a sociedade.

Uma das ferramentas mais fascinantes para promover esta aproximação é a arte. Não é por acaso que muitos artistas, de diversas áreas, se interessaram pela ciência, e vice versa. Um deles é o escritor, diretor e roteirista de cinema Jean-Claude Carrière.

Famoso pela parceria com Buñuel, que rendeu obras primas como O fantasma da liberdade, A bela da tarde e O obscuro objeto de desejo, Carriére também escreveu roteiros inesquecíveis para Andrzej Wajda (Danton – O processo da revolução), Philip Kaufman (A insustentável leveza do ser) e vários diretores franceses, como Rappeneau (Cyrano de Bergerac). Sua maior façanha talvez tenha sido adaptar o poema épico indiano Mahabharata para o cinema, o que rendeu um filme de quase cinco horas de duração, dirigido pelo inglês Peter Brook.

Carrière foi também diretor da principal escola francesa de cinema, e se declara apaixonado pela Física moderna. Chegou a escrever uma obra de ficção sobre Einstein, mas seu grande livro de divulgação científica chama-se Conversas sobre o Invisível (Brasiliense, 1988), e que há muito merece uma nova edição.

Trata-se de uma longa, detalhada e saborosa conversa com dois físicos, Jean Aldouze e Michel Cassé, sobre relatividade, a origem do universo, microfísica, astrofísica e física quântica. Fruto de conversas mantidas semanalmente onde os assuntos se encadeiam naturalmente com referências literárias, pictóricas e, claro, cinematográficas, o livro discute os conceitos mais impenetráveis da Física moderna, que Carrière considerava a Grande Ciência do século XX, de forma clara e elegante.

Também no campo da Física, vale a pena conhecer outro autor, o argentino Alberto Rojo. Professor da Oakland University, em Michigan, publicou vários livros de física quântica e de divulgação científica. Portenho de nascimento, manteve durante muito tempo uma coluna jornalística no jornal Crítica de La Argentina, onde depurou a escrita límpida, direta, sem rebuscamentos desnecessários. Pra completar, o cara é músico. Violonista com discos gravados tocou com Mercedes Soza e Charly Garcia, compôs peças populares e sinfônicas.

Rojo escreveu um fascinante livro chamado Borges e a mecânica quântica, editado no Brasil pela Unicamp, ainda em catálogo. Trata-se de uma coletânea de artigos que investigam a intersecção entre arte e ciência. A tese central é a de que, na história da humanidade, várias descobertas científicas foram intuídas ou antecipadas por escritores, pintores, músicos e poetas. E desfia uma série maravilhosa de exemplos, que começa em Homero, passa por Shakespeare e termina em – lógico – Jorge Luís Borges.

Para Rojo, o famoso conto “Jardim dos Caminhos que Se Bifurcam” é uma tradução literária perfeita do universo proposto pela física quântica. Borges teria sido o primeiro a enunciar uma alternativa para o tempo linear: tempos cíclicos, tempos múltiplos, espaço relativos, o Aleph do espaço-tempo. O curioso é que o próprio Borges, entrevistado por Rojo, declarou que não entendia patavinas de física. Ao receber uma breve explicação sobre os mundos paralelos que se tornaram possíveis depois da física quântica, respondeu pensativo: “Como são criativos os físicos!”

Rojo pertence a esta rara espécie de cientista que tem alma de artista. Cultua Leonardo da Vinci – modelo maior – e costura com habilidade citações de Poe, Cortazar, Calvino, Einstein, Van Gogh, Dante, H.G.Wells, Otavio Paz e até a Bíblia, sem perder o rigor. Seu principal mérito, como escritor, é não parecer pedante ou professoral, seguindo a mesma trilha iluminada de Jean-Claude Carrière.

Dois escritores admiráveis que, partindo de polos opostos, encontram-se na realização plena de conjugar arte e ciência de forma acessível e prazerosa.

*Daniel Brazil é escritor, autor do romance Terno de Reis (Penalux), roteirista e diretor de TV, crítico musical e literário.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Alexandre de Lima Castro Tranjan Caio Bugiato Marilena Chauí Luiz Bernardo Pericás Fernão Pessoa Ramos Dennis Oliveira João Lanari Bo Érico Andrade Celso Frederico Daniel Afonso da Silva Matheus Silveira de Souza Eleonora Albano Armando Boito Claudio Katz Francisco de Oliveira Barros Júnior José Micaelson Lacerda Morais Everaldo de Oliveira Andrade Francisco Fernandes Ladeira Otaviano Helene Tales Ab'Sáber João Feres Júnior Gilberto Lopes Andrés del Río Mariarosaria Fabris Marjorie C. Marona Luis Felipe Miguel Remy José Fontana Leonardo Boff Marcos Silva Alexandre Aragão de Albuquerque José Machado Moita Neto Atilio A. Boron Denilson Cordeiro Eugênio Bucci Flávio R. Kothe Carlos Tautz Vanderlei Tenório Leonardo Sacramento Walnice Nogueira Galvão Daniel Brazil Julian Rodrigues Benicio Viero Schmidt Carla Teixeira Plínio de Arruda Sampaio Jr. Leonardo Avritzer Jean Marc Von Der Weid Paulo Nogueira Batista Jr Michael Roberts Anselm Jappe Osvaldo Coggiola Rafael R. Ioris Kátia Gerab Baggio Bernardo Ricupero Samuel Kilsztajn Gabriel Cohn Maria Rita Kehl Marcelo Módolo José Dirceu Gerson Almeida Rubens Pinto Lyra Luiz Eduardo Soares José Geraldo Couto Luciano Nascimento Gilberto Maringoni Bento Prado Jr. Chico Whitaker Ronald Rocha Lincoln Secco Eduardo Borges Manchetômetro Paulo Fernandes Silveira Thomas Piketty Antonio Martins Elias Jabbour Eugênio Trivinho Fábio Konder Comparato José Luís Fiori Mário Maestri Manuel Domingos Neto Alexandre de Freitas Barbosa Ladislau Dowbor Sandra Bitencourt Valerio Arcary Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Eleutério F. S. Prado Chico Alencar Marcos Aurélio da Silva Luiz Marques Jean Pierre Chauvin Rodrigo de Faria Antônio Sales Rios Neto Andrew Korybko Valerio Arcary Leda Maria Paulani Vinício Carrilho Martinez Jorge Branco Marcelo Guimarães Lima Sergio Amadeu da Silveira Ricardo Fabbrini Salem Nasser Liszt Vieira Luiz Werneck Vianna Vladimir Safatle Alysson Leandro Mascaro Yuri Martins-Fontes José Raimundo Trindade Henry Burnett Antonino Infranca Bruno Fabricio Alcebino da Silva João Sette Whitaker Ferreira Michael Löwy Tarso Genro João Paulo Ayub Fonseca Luiz Carlos Bresser-Pereira Jorge Luiz Souto Maior Luiz Renato Martins Igor Felippe Santos Bruno Machado Juarez Guimarães Francisco Pereira de Farias Ari Marcelo Solon André Márcio Neves Soares Celso Favaretto Slavoj Žižek Michel Goulart da Silva Berenice Bento João Carlos Salles Priscila Figueiredo Luiz Roberto Alves Milton Pinheiro Lucas Fiaschetti Estevez Dênis de Moraes Luís Fernando Vitagliano Paulo Capel Narvai João Carlos Loebens Lorenzo Vitral Daniel Costa Heraldo Campos Paulo Sérgio Pinheiro João Adolfo Hansen Ricardo Musse Boaventura de Sousa Santos Marilia Pacheco Fiorillo Eliziário Andrade Ronald León Núñez Afrânio Catani Flávio Aguiar Fernando Nogueira da Costa Ronaldo Tadeu de Souza José Costa Júnior Renato Dagnino Paulo Martins Ricardo Abramovay Henri Acselrad André Singer Ricardo Antunes Marcus Ianoni Annateresa Fabris Tadeu Valadares Airton Paschoa

NOVAS PUBLICAÇÕES