As manifestações em Cuba

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUIZ BERNARDO PERICÁS*

Devemos lutar por Cuba e pelos ideais da revolução

Os protestos em diferentes cidades cubanas, iniciados em San Antonio de los Baños no dia 11 de julho, têm sido amplamente noticiados pela grande imprensa como um sinal de que o povo do país estaria, aparentemente, cansado de seu governo e que buscaria trocar o modelo socialista por outro supostamente mais “liberal” e “democrático”. Segundo essa narrativa, os problemas econômicos, agravados pela pandemia do novo coronavírus, teriam sido fundamentais para deflagrar as manifestações. É preciso, contudo, ter cautela neste momento para não ser influenciado pelos veículos da mídia estrangeira ou por informações provenientes de meios “alternativos” escusos, em geral, de grupos da internet locais, com intenso apoio dos Estados Unidos.

A pandemia do novo coronavírus, por certo, afetou Cuba. Mas são muitos os países que viram a economia se deteriorar com o avanço da Covid-19. No Brasil, é possível verificar enormes taxas de desemprego e um processo acelerado de precarização e “uberização” do trabalho, com aumento da pobreza e da desigualdade, dentro de um quadro de calamidade sanitária sem precedentes em nossa história, com níveis alarmantes de casos e óbitos pela doença em todo o nosso território. Nenhuma nação no planeta passa por uma tragédia similar. Isso sem contar com uma crescente crise política, que vem desgastando a cada dia o governo de Jair Bolsonaro, o qual constantemente tem ameaçado as instituições e a própria realização das eleições no ano que vem.

Em Cuba – ao contrário daqui –, o presidente Miguel Díaz-Canel goza de confiança irrestrita entre os trabalhadores da ilha. A imensa maioria da população apoia a continuidade de sua administração, diferentemente do que as agências de notícias tentam mostrar. Sem dúvida que o país passa por dificuldades. O PIB encolheu 11% em 2020, a escassez de remédios e alimentos é uma realidade, há falta de peças de reposição, apagões elétricos têm ocorrido e houve uma nítida diminuição do turismo (um setor extremamente importante para o ingresso de divisas), com uma redução de voos do exterior. Isso para não falar da produção de açúcar, afetada por uma má colheita em 2021, motivada por uma forte seca.

Talvez o mais grave neste painel, contudo, seja o contínuo bloqueio econômico imposto pela Casa Branca. Se já não bastasse vivenciar as agruras da pandemia (como o resto do mundo), Cuba tem passado por dificuldades em obter insumos médicos e alimentos por causa do embargo contra a ilha. Em outras palavras, se há algum verdadeiro culpado pelo estado em que se encontra o país, este não é, por certo, o governo cubano, mas sim, Washington.

Enquanto Díaz-Canel constantemente apresenta, de forma transparente, todas as questões que afligem a população em audiências e conferências públicas e televisionadas, ele procura, ao mesmo tempo, equilibrar uma política realista e austera (calcada numa conjuntura extremamente delicada) com a luta diária para preservar as conquistas sociais da revolução, construídas ao longo de décadas. Não é tarefa fácil. Não podemos deixar de lembrar que Cuba está desenvolvendo pelo menos cinco vacinas contra o coronavírus, um feito admirável para a nação caribenha. E que apesar do aumento do número de casos de Covid-19, há um empenho enorme das autoridades em mitigar o problema, com o envio de médicos para as regiões mais afetadas e a adaptação de hotéis em hospitais de campanha. Em torno de US$ 184 milhões foram gastos, em 2020 e 2021, para tentar lidar com esse grave problema de saúde. De qualquer forma, Cuba tem um dos menores índices de contágio e de perdas de vida pelo coronavírus no mundo.

Ainda assim, em um momento dramático como o atual, alguns grupos locais, apoiados e financiados por potências estrangeiras, se aproveitam da situação para semear o caos e a discórdia. Vale lembrar que as mobilizações do dia 11 de julho não foram espontâneas nem tão grandes quanto informam e que muitos elementos que participaram delas não eram representativos da maioria do povo cubano.

Enquanto ocorriam as manifestações (em boa parte, orquestradas), elas recebiam o apoio declarado de Joe Biden, o líder da maior potência imperialista do planeta, e de Jair Bolsonaro, o principal representante da extrema-direita da América Latina. É ingenuidade achar que Washington não esteja por trás desses protestos. Por décadas a Casa Branca realizou tentativas de assassinato de dirigentes cubanos, apertou o bloqueio e ameaçou a “mayor de las Antillas” de todas as formas.

Muitos dissidentes e ONGs conhecidas (como a organização de Rosa María Payá, a “Fundação para a Democracia Pan-americana”, que tem sede em Miami e que propagandeou durante os atos seu slogan “Cuba decide”) continuam recebendo apoio moral e material dos EUA para desestabilizar o país (lembremos que Payá se reuniu, em anos recentes, com personagens nefastos como Luís Almagro, Marco Rubio, Donald Trump, Leopoldo López Gil e Jeanine Áñez). No dia 11, “coincidentemente”, ocorreram, ao mesmo tempo, pequenos protestos em algumas localidades da Flórida…

Díaz-Canel, por sua vez, convocou a massa em favor do governo. Trabalhadores acudiram ao chamado e foram para as ruas gritando “Yo soy Fidel”. Nos próximos dias, as autoridades em Havana terão condições de mostrar o outro lado da situação e colocar a verdade dos fatos em seu devido lugar.

Nunca é demais recordar do caso da Bolívia, quando Evo Morales, depois de reeleito em 2019, sofreu um golpe de Estado, foi obrigado a renunciar à presidência e teve de sair do país: a direita governou autoritariamente a nação andina por meses com o apoio dos setores mais reacionários do Hemisfério Ocidental. Em 2020, contudo, Luis Arce, candidato do MAS, ganhou as eleições de forma esmagadora e Morales retornou, explicitando como toda a narrativa sobre a “democracia” proposta pela direita boliviana fora fabricada. Ou então de Juan Guaidó, o autoproclamado “presidente” interino da Venezuela, que recebeu o suporte de empresários locais, norte-americanos e europeus, assim como de autoridades governamentais de vários países. Ao final, nada aconteceu. E Maduro permaneceu no poder. Desta vez, tentam desestabilizar a ilha caribenha…

Esta é uma luta ideológica que agora adquire contornos dramáticos. Alguns pretendem destruir o legado revolucionário e promover o neoliberalismo em Cuba. Outros, inspirados em Che Guevara e Fidel Castro, se empenham em preservar e aprofundar o socialismo. Cuba é importante demais para a esquerda latino-americana e mundial. Devemos lutar por Cuba e pelos ideais da revolução.

*Luiz Bernardo Pericás é professor no Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de Caio Prado Júnior: uma biografia política (Boitempo).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
André Singer Francisco Fernandes Ladeira João Feres Júnior Gilberto Lopes Luiz Werneck Vianna Dênis de Moraes João Paulo Ayub Fonseca Dennis Oliveira Matheus Silveira de Souza Fernão Pessoa Ramos Ronald Rocha Paulo Nogueira Batista Jr Leonardo Boff Leda Maria Paulani Francisco Pereira de Farias Lorenzo Vitral Gilberto Maringoni João Lanari Bo Ronald León Núñez Marcelo Módolo Claudio Katz Maria Rita Kehl Flávio R. Kothe Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Annateresa Fabris Luiz Eduardo Soares Ari Marcelo Solon Luiz Roberto Alves Armando Boito Milton Pinheiro Eduardo Borges André Márcio Neves Soares Sergio Amadeu da Silveira Walnice Nogueira Galvão Carla Teixeira Tadeu Valadares Luiz Bernardo Pericás José Machado Moita Neto Yuri Martins-Fontes Afrânio Catani José Costa Júnior Marilia Pacheco Fiorillo Fernando Nogueira da Costa Henry Burnett Michel Goulart da Silva Daniel Afonso da Silva Juarez Guimarães Salem Nasser Lincoln Secco Jorge Luiz Souto Maior Érico Andrade Plínio de Arruda Sampaio Jr. Alysson Leandro Mascaro Heraldo Campos Valerio Arcary Alexandre Aragão de Albuquerque Luiz Marques Remy José Fontana Bento Prado Jr. Mariarosaria Fabris Michael Roberts Bernardo Ricupero Everaldo de Oliveira Andrade Ricardo Fabbrini Ladislau Dowbor Anselm Jappe Marcos Silva José Micaelson Lacerda Morais Antonino Infranca Fábio Konder Comparato Eleutério F. S. Prado Tales Ab'Sáber João Carlos Loebens Leonardo Sacramento Ricardo Abramovay Luis Felipe Miguel Mário Maestri Manchetômetro Berenice Bento Celso Favaretto Andrés del Río Celso Frederico Luciano Nascimento Lucas Fiaschetti Estevez Henri Acselrad Chico Whitaker Osvaldo Coggiola Luiz Carlos Bresser-Pereira Eleonora Albano Bruno Fabricio Alcebino da Silva Boaventura de Sousa Santos Flávio Aguiar Eugênio Bucci Rodrigo de Faria Kátia Gerab Baggio Antonio Martins Marcus Ianoni Valerio Arcary Tarso Genro Vinício Carrilho Martinez Vladimir Safatle Marcos Aurélio da Silva Leonardo Avritzer Ricardo Musse Sandra Bitencourt Francisco de Oliveira Barros Júnior Vanderlei Tenório Thomas Piketty José Geraldo Couto Rubens Pinto Lyra João Sette Whitaker Ferreira Bruno Machado Andrew Korybko Alexandre de Freitas Barbosa Daniel Brazil Ricardo Antunes Alexandre de Lima Castro Tranjan Slavoj Žižek Jean Pierre Chauvin Luiz Renato Martins Benicio Viero Schmidt Elias Jabbour Marcelo Guimarães Lima José Raimundo Trindade Gabriel Cohn Priscila Figueiredo Manuel Domingos Neto José Dirceu Caio Bugiato Otaviano Helene Jorge Branco Michael Löwy Daniel Costa Paulo Sérgio Pinheiro Denilson Cordeiro Paulo Martins Marjorie C. Marona Jean Marc Von Der Weid Antônio Sales Rios Neto João Carlos Salles Liszt Vieira Julian Rodrigues Ronaldo Tadeu de Souza Gerson Almeida Carlos Tautz João Adolfo Hansen Paulo Fernandes Silveira Samuel Kilsztajn Rafael R. Ioris Luís Fernando Vitagliano Paulo Capel Narvai Eugênio Trivinho Chico Alencar Igor Felippe Santos José Luís Fiori Eliziário Andrade Marilena Chauí Renato Dagnino Atilio A. Boron Airton Paschoa

NOVAS PUBLICAÇÕES