Guerras pelo mundo

Imagem: Ales Uscinau
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Por SEGADAS VIANNA*

Guerras regionais, conflitos localizados, revoltas justas, repressão injusta, tudo isso reunido cria um caldo de sangue e ódio, onde o que é servido são as vidas de civis inocentes

As grandes mídias falam e muito sobre duas guerras que são objeto de disputa de narrativas ideológicas no Brasil, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a guerra entre o Hamas e Israel. E fica parecendo que só ” existem” estas duas guerras no mundo.

Passeando pelos continentes temos na América do Sul conflitos localizados entre a guerrilha do Exército do Povo Paraguaio e as forças de segurança paraguaias; no Peru o exército se confronta com a renascida guerrilha do Sendero Luminoso e na Colômbia o principal conflito, após a desmobilização das FARC, do processo de paz com a guerrilha do Exército de Libertação Popular só resta o conflito com a narcoguerrilha do Clã do Golfo. Todos estes conflitos são pequenas guerras latinoamericanas.

Na África, Moçambique enfrenta os jihadistas do Estado Islâmico da África Oriental, o ISWAP; a Nigéria combate os jihadistas do Boko Haram, o Congo está envolto em conflitos com a guerrilha do M23; o Chade se confronta com o Boko Haram, o ISWAP e a guerrilha tuaregue. Na Líbia são mais de cinco grupos armados disputando por meio de armas o poder e o mesmo ocorre no Sudão do Sul. E a Somália tem sua guerra com os jihadistas do al-Shabaab. Estas guerras ocultas têm deixado milhares de vítimas fatais, de mulheres estupradas e de crianças recrutadas pelas guerrilhas.

Na Síria o Estado Islâmico e os braços da al-Qaeda continuam se confrontando com os curdos e com o governo Sírio. A Turquia tem sua guerra contra a guerrilha curda do PKK.

Na Ásia confronto na região de Nagorno- Karabak continua deixando vítimas fatais. Na Nova Guiné a guerrilha pela independência de Papua também se tornou uma pequena guerra sem fim. O Paquistão e o Afeganistão continuam se confrontando com os jihadistas do ISIS-Khorasan. Nessa região uma guerra que está chegando ao fim é a que ocorria entre o governo da Indonésia e o grupo jihadista Abu Sayaaf.

No Brasil, nos EUA, por opção política vivencia-se a chamada guerra às drogas que mata milhares de jovens pobres, em geral negros e moradores de periferias, sem que se enxergue um fim. Aliás, no Brasil é notório o crescimento bélico dos narcogrupos e das milícias, que eventualmente se unem.

Guerras regionais, conflitos localizados, revoltas justas, repressão injusta, tudo isso reunido cria um caldo de sangue e ódio, onde o que é servido são as vidas de civis inocentes.

Sempre um dos lados ou os dois lados de qualquer guerra ou conflito têm justificativas para suas ações que entendem serem as melhores segundo suas óticas. A cegueira das guerras impede que se enxergue a realidade.

E falo, ou escrevo, com o chamado ” lugar de fala”, pois em 1984 integrei por três meses na Nicarágua o Batalhão Latino-americano Simon Bolívar e ficamos na frente de combate com os “contra” e mercenários dos EUA e da França onde participei ativamente de combates e pude ver de perto e sem nenhuma maquiagem as verdades de uma guerra.

São pequenas guerras por todo o planeta, muitas desconhecidas pelo grande público, mas que não são menos cruéis do que as guerras que ocupam o noticiário.

O que se destaca, porém, no cenário atual é o fato de Israel ter extrapolado seu direito justo de retaliar o ataque do Hamas e declarar uma guerra de extermínio por bombardeamento de todo o povo palestino que vive em Gaza e com forte possibilidade dessa guerra se estender para a Cisjordânia.

Desde que o ser humano se organizou socialmente ocorrem guerras. Todas cruéis, a imensa maioria totalmente injustificável e sempre as maiores vítimas são os civis inocentes. Não é à toa que o ser humano, em sua crueldade hipócrita, classifique a habilidade de conduzir uma guerra como “a arte da guerra”. Há livros sobre as guerras, em geral escritos pelos vencedores, há heróis das guerras entronizados pela voz dos que necessitam de heróis para exaltar, há os que pelos seus atos durante as guerras foram justamente demonizados e há aqueles, em geral as tropas, que são esquecidos pela história transformados em números e estatísticas, exceto para suas famílias.

Guerras são romantizadas ou dramatizadas em filmes muitas vezes com atores famosos ou relatadas em livros por quem só conheceu a guerra de longe. Guerras não são românticas, mesmo como quando dentro de uma trincheira próxima à fronteira da Nicarágua com Honduras trocávamos xingamentos com “a contra” ouvindo nos rádios portáteis à pilha Van Hallen ou Michael Jackson que eram os favoritos de nossos comandantes cubanos na hora dos combates ou dos pré-combates. Nas guerras de verdade as pessoas morrem. Morrem seus amigos morrem seus companheiros de luta, morrem inocentes atingidos por disparos de todos os lados e nas guerras, longe das câmeras, ocorrem com frequência situações que são consideradas crimes de guerra e que nunca vieram ou virão à público e ficarão apenas na memória dos que estiveram naquele determinado momento e que por ele, este momento, ficaram marcadas para sempre.

Não pretendemos ser ingênuos ou propagadores de utopias, pois guerras aconteceram, acontecem e sempre acontecerão, pois o que move as guerras é algo inerente a uma boa parcela da humanidade que é a ganância por ganhos financeiros ou pelo poder. Qualquer guerra tem em si um destes componentes ou os dois.

As guerras se assemelham à parábola da aranha e da mosca onde a aranha acha justíssimo comer a mosca e a mosca acha uma baita injustiça ser comida pela aranha.

Infelizmente a chamada “paz mundial” só existe mesmo nas respostas dadas em concursos de misses…

Segadas Vianna é jornalista.


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